22 de outubro de 2008

O gato e o escuro (Mia Couto)

O GATO E O ESCURO (MIA COUTO) O Gato e o Escuro é a estória do gatinho Pintalgato, contada por um narrador anónimo que se dirige a um grupo de crianças, reunidas à sua volta. Trata-se de um mini-conto, cuja temática gira à volta do medo do escuro ou do desconhecido: daquilo que está para lá da linha do horizonte ou do muro da nossa casa, da área circundante, até onde a vista dos nossos pais nos consegue alcançar ou até onde chega o braço protector da nossa infância… É uma pequena estória que fala também dos riscos de desobediência, factor que entra em conflito com a crescente necessidade de autonomia, a sede de descoberta e gosto pela aventura do pequeno Pintalgato. E, para incarnar este tipo de personagem, nada melhor do que a figura de um gatinho, traquinas e brincalhão, com aquele sentimento, misto de irresistível curiosidade e intrepidez, normalmente atribuído aos gatos… Mia Couto escreveu este delicioso conto, não exclusivamente para o público infanto-juvenil ou infantil, mas "para a criança que há em cada um de nós" (sic). Ou seja, para um público sem idade. Ainda sobre esta obra, o Autor revelou em entrevista às Correntes d’Escritas – Encontro Internacional de Escritores de Expressão Ibérica – que teve lugar na Póvoa de Varzim, entre os dias 12 e 16 de Fevereiro último, o seguinte: - Aqui há tempos, dei um autógrafo a um menino que tinha lido esse livro. Conversámos um pouco, mas só quando lhe perguntei se ele tinha medo do escuro é que ele respondeu, é que ele falou realmente comigo: "Sim. E Tu?" e eu respondi "Também." Então aconteceu algo de extraordinário: Ele sentiu-se na obrigação de me consolar e, com isso, citou-me uma frase do livro como se fosse dele – Somos nós que enchemos o escuro com os nossos medos! - Para mim foi o melhor prémio literário que tive até hoje! A pequena estória é contada num tom coloquial, como se fosse dirigida a crianças que estão a escutar atentamente uma narrativa, mas onde o encanto poético colocado nas frases e a cadência, o ritmo, a elas associado, tem o condão de seduzir, também, os adultos, enfeitiçando-os com a musicalidade das palavras e restituindo-lhes a infância e a voz dos avós, que antes nos contavam as estórias do “escuro”, ou melhor, dos nossos medos, à lareira… Os neologismos de Mia Couto, sabiamente introduzidos em momentos-chave da narrativa, enriquecem o conto de forma substancial, através da aglutinação de, por exemplo, substantivos com verbos, como é o caso de pirilampiscavam, tiquetaqueavam ou despersianar os olhos – este último um substantivo transformado em verbo ao qual se juntou um prefixo, para dar a imagem de um abrir de olhos a custo, como se se puxasse uma persiana…ou então a transformação de adjectivos em verbos como, por exemplo, amarelar, ou um substantivo num advérbio, como noitidão. Há, também, a construção frásica atípica em relação à norma existente em Portugal, fazendo lembrar a voz de um velho feiticeiro tribal a encantar os mais pequenos: Faz de conta o pôr-do-sol fosse um muro. Faz mais de conta ainda os pés felpudos pisassem o poente. A fuga à norma no que toca à construção gramatical é, aqui, utilizada como um recurso estilístico, de forma a "vestir" a personagem do narrador, que adquire verosimilhança pelo tom poético que as imagens transportam imediatamente para o imaginário visual do leitor, as quais poderiam perfeitamente ser transportadas para um filme de animação de altíssimo nível. Um gato a pisar a linha do horizonte, quando o sol desaparece é uma cena visual descrita numa frase que perderia muito do seu encanto se fosse enquadrada na frieza da norma. As ilustrações estão a cargo de Danuta Wojciechowska que recebeu o Prémio Nacional de Ilustração de 2003, tendo sido também distinguida com Menções Especiais do Júri em 1999, 2000, 2001 e 2002. A Ilustradora foi a candidata portuguesa ao Prémio Hans Christian Andersen em 2004. Tendo nascido no Quebec, em 1960, é licenciada em Design de Comunicação em Zurique, obtendo uma pós-graduação em Educação em Inglaterra. Actualmente vive e trabalha em Lisboa desde 1984. Em 1992, fundou o atelier Lupa Design, onde se dedica ao design, ilustração e cenografia (fonte, Editorial Caminho). As ilustrações de Danuta traduzem com extraordinária precisão a expressividade do texto de Mia Couto, dotando as cenas desta pequena estória de grande beleza, as quais são exibidas numa paleta de cores ocre, índigo, azul noite, ajudando muito à visualização do próprio texto pelos leitores…e fazendo de um livro como O Gato e O Escuro uma obra de arte, com ilustrações ao nível de pintores como Marc Chagall ou Paul Gauguin… Sinopse: Claudia Sousa Dias