20 de março de 2009

A nova ministra (Crónica de Mia Couto)

A Crónica de Mia Couto A nova ministra “Quer dizer, a grande vantagem de estarmos no Poder é que, para sermos empresários, não precisamos de empreender nada. A bem dizer, nem precisamos de empresas.” - Meu querido marido, escutou o noticiário? - Não. Há novidades importantes? - Diz o noticiário que você deixou de ser ministro. - Afinal, eu ainda era ministro? - Disseram que era. Não sabia? - Tinha uma vaga ideia. Mas acho que se enganaram, também estes jornalistas divulgam cada coisa, sabe como é: jornalismo preguiçoso… - Mas aquilo era um comunicado oficial. E disseram claramente o seu nome. Eu não fazia ideia. Pensei que era só empresário. - Ai é? Saí no noticiário? Mostraram a minha foto? - Não. Mas, diga-me lá, marido, você era Ministro de quê? - Ministro dos Assuntos Gerais. Uma coisa assim… Já agora, você reparou se disseram quem era o novo ministro? - É um dos anteriores vice-ministros. - Afinal havia mais que um? - Havia sete vice-ministros. - Sete? Eh pá, aquilo não era um Ministério, era um Vice-Ministério. - Fica triste, marido? - Bom, pá, paciência. Mais importante são os meus cargos nas 15 grandes empresas. - Ontem, no nosso jantar, você disse que eram 35… - Minha querida, você escutou mal. Não há, no país inteiro, 35 grandes empresas. Aliás, a maior parte dos empresários de sucesso ainda anda à procura de empresas. - Não entendo essa matemática. - É que, no nosso país, há mais empresários que empresas. - Trinta e cinco… Trinta e cinco são os nossos anos de casados. E estou tão orgulhosa de si, meu ex-ministro, você foi sempre tão ambicioso… - Ambicioso, não. Ganancioso. - E qual é a diferença? - O ambicioso faz coisas. O ganancioso apropria-se das coisas já feitas por outros. - Você apropriou-se de mim que fui feita por outros. - Isso é verdade, cara esposa. Uma coisa é verdade: vai-me fazer falta o poder. - O poder? Não me diga que lhe está faltar o poder, marido? - Alto lá, falo apenas do poder político. Quer dizer, a grande vantagem de estarmos no Poder é que, para sermos empresários, não precisamos de empreender nada. A bem dizer, nem precisamos de empresas. - Mas, marido, eu também tenho empresas, você diz que colocou uma data de empresas em meu nome. - Tem razão, minha querida. Vou usar das minhas influências e pedir para você ser nomeada Ministra. - Eu, Ministra? Para quê? - Que é para, a partir da agora, você abrir empresas em meu nome. Crónica de Mia Couto, escritor moçambicano
Publicada na edição de Fevereiro da revista África 21