12 de junho de 2010

Alfabeto para combater a pobreza – V como Virtude

Alfabeto para combater a pobreza – V como Virtude

Já abordei a questão da virtude em artigo anterior desta série. Volto aqui à carga porque é importante. Importante em minha opinião, claro. Vamos começar por um exemplo. Há compatriotas entre nós que desde que começaram a pensar meteram na cabeça que a fonte do mal no mundo pode ser encontrada na injustiça. Eles têm em mente a injustiça na distribuição da riqueza dum país. São muito exactos no seu pensamento. Localizam a fonte da injustiça no sistema económico que, após a leitura de Marx, eles chamam de capitalista. Para eles a justiça é um valor e, consequentemente, em nome desse valor eles procuram ajustar a sua vida aos imperativos colocados pela necessidade de acabar com a injustiça no seu mundo. Assim, quando eles olham para o país e para o conjunto de relações sociais que o fazem, o que eles vêem não é simplesmente o país ou esse conjunto de relações sociais. Eles vêem a manifestação da injustiça de modo que quando eles abrem a boca é para chamar atenção a isso bem como à necessidade de se lhe pôr fim.
O que acabo de descrever agora é o que eu gostaria de chamar de virtude. Refiro-me à integridade, coerência e perseverança na defesa dos nossos valores. Os compatriotas que acabo de descrever são gente virtuosa. São o tipo de gente que faz falta ao nosso país. Reparem que não preciso de estar de acordo com os valores que fazem correr estes compatriotas para ver a sua importância para o fomento deste país. Não quero ser normativo na minha abordagem, mas devo perguntar: até que ponto é que a virtude desempenha algum papel na constituição ética dos nossos actores políticos? Se fosse por mim exigiria como condição para registo dum partido que os candidatos escrevessem uma redacção sobre as virtudes que caracterizam a sua política. A redacção pode ser duma página apenas e, por uma questão de equidade, pode retroactivamente ser exigida aos partidos que já têm existência legal. Este critério parece-me mais importante do que o número de assinaturas. De que valem 100 mil assinaturas se nenhuma delas é de alguém que entra na política movido por valores que enformam as virtudes que definem o seu posicionamento político?

A proliferação de acusações de bajulação, puxa-saquismo e oportunismo pode ser um indício não só da fragilidade ética dos nossos actores políticos como também da natureza difusa da sua orientação política. A facilidade com que alguns políticos mudam de afiliação partidária, sobretudo nas hostes da oposição, parece-me também indício deste mal. Não estranha por isso que a crítica à actuação do governo se situe quase sempre ao nível da constatação de que os objectivos definidos não foram alcançados. Mais substancial do que isto a crítica não consegue ser. Nunca houve, a partir da oposição, qualquer proposta alternativa sobre como abordaria o desafio do combate à pobreza. Do interior do próprio governo, sobretudo dos ministérios incumbidos com a missão de definir as políticas de combate contra a pobreza, também não se ouve nenhuma ideia original sobre como fazer o tal combate. Mais precisamente, nos pronunciamentos oficiais dificilmente se vislumbra uma ponta de virtude no posicionamento contra a pobreza.

Neste ponto estou a ser injusto porque, na verdade, há um elemento de virtude que paira no ar. Refiro-me à insistência do Chefe do Estado na auto-estima. Em certa medida, pode se dizer que o fomento da auto-estima caracteriza muito bem a sua biografia política. O que estranha, porém, é que a sua equipa não pareça ter sido capaz de articular esta virtude de forma mais clara, coerente e forte com o próprio combate à pobreza. Aqui não me refiro simplesmente à necessidade de proclamar o fomento da auto-estima como objectivo do combate à pobreza, mas sim à necessidade de colocar o fomento da auto-estima no centro das decisões sobre o que é necessário fazer para se acabar com a pobreza. É naturalmente difícil enxergar estes aspectos todos porque o nosso discurso sobre a pobreza é, infelizmente, refém das prioridades da indústria do desenvolvimento que quer “resultados palpáveis” seja lá o que for que isso significa.

E. Macamo
Maputo, Quarta-Feira, 28 de Abril de 2010:: Notícias