19 de fevereiro de 2013

O triunfo dos porcos (Tomás Vasques)



O que este governo está a fazer é recriar, neste novo tempo de crise, uma espécie de “legião portuguesa” de má memória

Para o governo, a cidadania e a liberdade não passam de um conto de fadas, contado à lareira, nas noites de Inverno, por uns “velhos do Restelo” e os cidadãos deste país não são mais do que uma tropa fandanga que, se ninguém lhes der com um chicote no lombo, nunca mais aprendem que o seu destino é a pobreza e o respeito pela ordem estabelecida. E por ser assim, agindo em conformidade com estes “padrões”, a que este governo nos habituou (outros governos anteriores não estão liminarmente isentos de culpas), o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, ensaiou uma acção de medo e terror sobre os portugueses. Enviou há dias para a comunicação social uma nota, na qual “informava” que “ a inspecção tributária, em 2013, já instaurou este ano diversos processos de contra-ordenação a consumidores finais por incumprimento da obrigação da exigência de factura”. O objectivo, independentemente da ilegalidade da acção ou da veracidade da “informação” divulgada pelo governo, é óbvio: pretender fazer de cada cidadão, um “bufo” – um agente à força da ditadura fiscal, através do medo: a aplicação de coimas até dois mil euros para quem não exige factura quando bebe um café ou almoça num restaurante. A gravidade da situação é tal que, no mínimo, apetece dizer “palavrões”, senão mesmo mandá-los “tomar no cu”, como fez um ex-membro deste governo. Aqui, nesta situação, não está apenas em causa o direito à privacidade, o qual anda pelas ruas da amargura, há muitos anos, com a conivência de todos: o telemóvel, o cartão de crédito, o multibanco, a via verde e muitos outros “progressos tecnológicos” que fornecem a informação ao Estado e às suas polícias, sobre onde anda e o que está a fazer, a cada momento, cada cidadão. Contudo, em cada uma destas situações ainda há liberdade de escolha dos seus utilizadores: usar ou não usar telemóvel, cartão de crédito, multibanco ou via verde. Estas, apesar de serem usadas por quase todos no dia-a-dia, quase sem pensar as consequências, ainda são opções não “criminalizadas” e sem consequências repressivas: ninguém será multado ou preso por não as utilizar. Ao decidir aplicar pesadas multas aos cidadãos - ao consumidor final – que não exijam factura, medida agora posta em prática por este governo, mesmo que apenas destinada a amedrontar, exigindo-lhe que seja um agente activo da fiscalização do Estado na sua relação fiscal com terceiros, está para além do direito à privacidade. É uma pérfida demonstração de uma concepção totalitária do Estado.

O que este governo está a fazer é recriar, neste novo tempo, uma espécie de “legião portuguesa” (ou o equivalente, noutras paragens, aos “comités populares de bairros”) – cidadãos a vigiarem e a denunciarem outros cidadãos que, supostamente, não “cumpram as leis” emanadas do Estado todo-poderoso. Fazer de cada cidadão um polícia político (ou fiscal), um agente do governo, um bufo - é esta a sociedade totalitária que está a ser talhada no seio das democracias liberais, à sombra da crise e da troika, do défice orçamental e da dívida externa. Não estamos, por este dias, a assistir apenas a uma espiral recessiva e a um empobrecimento generalizado. Estamos a assistir a uma espiral repressiva e à destruição dos mais elementares direitos de cidadania, de liberdade e da democracia. Tudo aparece com pezinhos de lã, como “necessidades” que o “deboche” do passado nos exige e protagonizado por gente com ar de “bons rapazes”. Mas, não se esqueçam, que Orwell tinha razão quando escreveu: “o totalitarismo, se não for combatido, pode triunfar em qualquer lugar.”

PS – Há notícias de que um grupo de socialistas, nomeadamente deputados, críticos de António José Seguro, pondera apresentar um candidato e uma moção de estratégia às eleições internas do PS. A ser verdade, é uma boa notícia. A luta política deve ser feita à luz do dia, à vista dos eleitores. É um péssimo sinal para a democracia e para a imagem do PS, depois de divergências conhecidas e críticos identificados, todos se albergarem comodamente, à espera de benesses, debaixo da candidatura do actual secretário-geral. Candidaturas únicas e noventa por cento de votos não contribuem para a defesa da democracia, nem num país, nem num partido.

Tomás Vasques

Ionline, 18 Fev 2013