19 de maio de 2013

A cidade diamante (josé Ribeiro)


Os diamantes são eternos e Saurimo, a cidade diamante, ficou gravada eternamente na minha memória quando, jovem repórter, acompanhei o Presidente Neto numa viagem ao Leste, depois de regressar de Maputo, onde gozou umas curtas férias. Desde então, a cidade passou a ser um marco importante na minha carreira profissional, que é curta e modesta, comparada com os grandes jornalistas que conheço e com quem sempre procuro aprender.

“Porque não cobriram esta reunião?”, Neto tinha acabado de se reunir com os dirigentes da província e estava mesmo à nossa frente, a perguntar. Foi em 1977, a primeira vez que o vi de perto, depois da histórica proclamação da Independência. Naqueles anos, o país precisava de sarar as feridas trazidas da luta de libertação e a Lunda-Sul era uma nova unidade administrativa. Saurimo vinha da época colonial como um centro económico importante e Neto, sabendo disso, fez questão de ir, pessoalmente, à sede da UNITA, propor a Savimbi a unidade entre os dois movimentos de libertação para a travessia da transição. Debalde! As dificuldades da época tornaram-se maiores, a cidade ficou com a vida económica parada e a Independência teve de ser arrancada. Nós, os repórteres, dormimos naquele dia no Hotel Galito, sem lençóis nem luz. De manhã, acordámos com mordidelas de percevejos. Mas o ar de Saurimo, fresco, fez-nos recuperar as forças.


A cidade diamante tem uma História com futuro. Os habitantes de Saurimo têm orgulho nesta cidade fundada por Henrique de Carvalho, o enviado do rei de Portugal à Mussumba do Muata Iânvua. A cidade está na encruzilhada da viagem feita no início do século XX pelo explorador português, deixada em vasta obra literária. Henrique de Carvalho foi de Luanda ao Cuango, partiu depois para Chipaca e daí alcançou Luembe. Concluiu a expedição em Calanhi, depois de abraçar o imperador Muata Iânvua (ou Muatiânvua). A portentosa Lunda foi então desenhada entre o Cuango, a Bota do Dilolo e as terras mágicas de Saurimo.

Foi às terras de Mona Quimbundo que chegou a primeira expedição de comerciantes portugueses. Nesse tempo apenas procuravam a crueira, o mel e a cera. Só décadas mais tarde Saurimo passou a ser a capital da Lunda e o império do Muata Iânvua se transformou no “el dorado” dos diamantes.Nas ruas da cidade ainda existem as velhas construções coloniais dos tempos em que a cidade diamante tinha o estatuto de capital económica de Angola. Hoje a economia está em forte recuperação. Já lá vão os tempos em que a crise internacional atingiu severamente as empresas de extracção de diamantes.

É a esta cidade com História que regresso, neste Maio de cacimbo antecipado. Ao fim da tarde, as ruas limpas da capital da Lunda-Sul são invadidas pelo frio, embrulhado numa fina neblina que anuncia uma estação seca rigorosa, compensada pela grande quantidade de rios deixados pelas chuvas e que garantem a energia eléctrica fornecida pela Barragem do Chicapa e a água para as torneiras da cidade.

Hoje a velha cidade fundada por Henrique de Carvalho mostra limpeza e organização. À minha volta, não vejo lixo. E ao deitar a beata do cigarro para o chão, piso rapidamente, com o sapato, olhando à volta, envergonhado. À mente vêm-me os anos passados na Suíça. Mas quem aqui vive sabe que esta é uma terra especial. Nem luxo, nem ostentação, mas respeito pelo passado grandioso, pelo presente risonho, pelo futuro de esperança. É difícil encontrar outra cidade como esta. Os seus habitantes cuidam dela porque a amam. Sabem que não há outra como esta.

A casa onde Agostinho Neto se reuniu com os dirigentes provinciais e pernoitou nos anos 70, é hoje a residência oficial da governadora Cândida Narciso. Quando vejo aquelas paredes sinto-me transportado para um tempo que marcou a vida de Angola e representou o nascimento de uma Nação que foi capaz de conquistar a paz quando forças poderosas impunham ao povo tanto sofrimento.

Saurimo abre os braços aos viajantes. Os seus habitantes estão orgulhosos em mostrar a sua cidade limpa e organizada. Os administradores municipais de todas as cidades e vilas de Angola deviam visitar a capital da Lunda-Sul para verem como é possível gerir uma cidade que, apesar da pressão humana, garante qualidade de vida aos seus moradores. Nas ruas não há lixo, o trânsito circula com muitas motorizadas mas é ordenado, o comércio informal não invade os espaços públicos. As mulheres são vaidosas e a sua beleza transborda na dança da chianda. Na estrada para Caculo, vejo que o capim das bermas está cortado e há trabalho de manutenção. Também aqui chegou a política nacional de habitação e há novos bairros e escolas em construção. Em Caculo está a ser construído o edíficio do Instituto de Segurança Social.

Os velhos habitantes de Saurimo recordam comigo os tempos da Base Aérea, um instrumento estratégico da Região Leste hoje transformado num moderno e belo aeroporto nacional. Apesar das agruras da guerra, os habitantes de Saurimo continuam a defender a cidade da degradação e estão empenhados em renovar aquilo que é um marco na História de Angola.

A governadora está empenhada em desenvolver a província e ainda tem tempo para ajudar os órgãos de informação a fazerem o seu trabalho. Simpática e acolhedora, Cândida Narciso privilegia a cordialidade e o respeito mútuo na relação com os jornalistas. E só tem a ganhar com isso. Graças ao seu apoio, a empresa Edições Novembro inaugura no próximo mês a sua grande sede em Saurimo. Mas mais projectos na área da Imprensa estão em marcha. Por isso, Cândida Narciso já é por todos chamada “Mamã da Comunicação Social”.

Nesta crónica de viagem, uma nota especial para os empresários. Foi desta vez que conhecei o empresário mais bem-sucedido da Lunda-Sul, Santos Bikuku. Um jovem homem de negócios que não tem problemas em mostrar o que faz de bom. Nem esconde que as suas actividades empresariais geram riqueza para o país, para a província, para os seus colaboradores e para a cidade diamante. Qual é o seu segredo? Muito simples: trabalho, mais trabalho, organização, muita organização. E proporcionar aos seus colaboradores boas condições de vida.

A imprensa tem de dar visibilidade aos empresários que estão a construir Angola, criando riqueza e postos de trabalho. Em breve regresso a Saurimo e à Lunda-Sul para mostrar aos leitores do Jornal de Angola, em todo o mundo, como Saurimo está cada vez mais jovem e de que forma o empresariado local venceu a crise.

A cidade diamante tem uma História com futuro. Porque os seus habitantes sabem que só é possível tratar bem aquilo que amamos. E Saurimo é uma cidade boa para viver e para amar.

Jornal de Angola,19 de Maio, 2013