20 de outubro de 2016

Telegramas de 1977: O êxodo continua em ambiente de guerra








Para uma grande parte da população portuguesa, as consequências da independência de Moçambique (25 de junho de 1975) continua a ser o abandono e o retorno a Portugal. A consulta dos inúmeros telegramas da embaixada de Portugal em Maputo indica que, em 1977, a juntar ao escalar da guerra com a Rodésia, continuam a sentir-se os efeitos do famoso decreto-lei 34/76 que restringe a saída de bens do país, assim como se mantêm os processos de nacionalizações de propriedades, casas e empresas.

Por outro lado, as acusações de “sabotagem económica” e as expulsões por questões relacionadas com o estatuto de nacionalidade começam a tornar-se frequentes sendo que o descontentamento por parte dos cidadãos portugueses fica também marcado pela “tragédia” de Moatize, um desastre registado nas minas de carvão e que faz pelo menos 150 mortos.

Janeiro

Canceladas entradas a viajantes


Com o anúncio da realização do III congresso da Frelimo, o governo determina o cancelamento de entradas e saídas entre os dias 15 de janeiro e 15 de fevereiro.

“São atingidos por esta medida viajantes em turismo, visitas de familiares ou deslocações por motivo de negócios”, comunica a embaixada de Portugal sobre a decisão do governo de Maputo.

Em telegrama “confidencial”, a embaixada acrescenta que as medidas sobre a restrição de movimentos podem estar ligadas à “eventual” mudança da moeda moçambicana.

Na mesma altura, o MNE de moçambique informa que passa a ser necessário, “para ser dado andamento a inúmeros pedidos de transferência de economias”, que os interessados comuniquem, entre outros documentos e informações, a prova de rendimentos totais declarados para efeitos de impostos durante o tempo de residência em Moçambique.

A medida atinge a população portuguesa no país.


Fevereiro

Quase todos os funcionários querem sair


A 25 de fevereiro, a embaixada informa Lisboa que a “quase totalidade dos funcionários portugueses” pretende sair definitivamente do país, “por motivos óbvios”, referindo-se às situações contratuais com o Estado moçambicano.

“Os funcionários quando admitem permanecer desejam a manutenção dos seus direitos na função pública portuguesa”, sublinha a mensagem da embaixada.


Março

Falsificação de dinheiro e expulsões 


A 11 de março, a revista de imprensa da embaixada refere que os jornais moçambicanos dão grande destaque à descoberta no norte de Portugal de uma rede de falsificadores de “dinheiro moçambicano”, bem como a “possíveis ligações a pessoal da TAP no seu transporte para a África do Sul”.

“O Banco de Moçambique alertou os mineiros que trabalham na República da África do Sul para não trocarem rands por escudos moçambicanos informando que as autoridades apreenderam todo o dinheiro trazido pela fronteira, ou remetido por correio”, informa a embaixada.

Para as autoridades moçambicanas, a introdução de dinheiro falso visa provocar instabilidade, sendo que o “plano” engloba também a “falsificação de dinheiro angolano”.

A 16 de março, Samora Machel provoca, mais uma vez, perturbações junto dos estrangeiros residentes em Moçambique e sobretudo junto dos portugueses ao comunicar num comício, na Beira sobre a possibilidade de expulsões.

“Os moçambicanos que a partir de agora mudem de nacionalidade serão expulsos do país como traidores”, afirmou o chefe de Estado.

A embaixada recorda que “numerosos indivíduos” nascidos em Moçambique mas que “têm condições de ascendência para conservar a nacionalidade portuguesa” têm vindo a renunciar à nacionalidade moçambicana.

“Até à data, apenas aqueles que prestavam serviço ao Estado eram afastados das funções quando renunciavam, entendendo-se agora que as medidas de expulsão atingem todos os indivíduos nessas condições”, alerta a embaixada.

Dois dias depois, novo telegrama da embaixada refere a resolução do Comité Político da Frelimo sobre a expulsão de todos os “indivíduos que renunciaram à nacionalidade moçambicana depois de terminado o prazo inicial de 90 dias, desde que tenham nascido no país e tenham pai e mãe também nascidos em Moçambique.

O anúncio da expulsão de quem renunciou à nacionalidade moçambicana lança “grande perturbação” entre os portugueses. “Existem alguns milhares de portugueses na referida situação”, insiste a embaixada.

Na mesma altura, o governo da província de Sofala difunde um comunicado em que refere que passa a ser proibida a venda, troca, doação ou alienação “por qualquer outra forma” de bens móveis e imóveis daqueles que estão abrangidos pela ordem de expulsão tais como “mobiliário, artigos de usos doméstico, viatura, artigos de uso pessoal, joias, e outros bens como moradias.

“Ficam também sob o controlo do Estado as contas bancárias e no ato de registo junto dos postos policiais deverão os abrangidos entregar a relação de todos os bens”, refere o telegrama sobre a nova medida tomada em Sofala mas divulgada pela Rádio Moçambique, em emissão nacional.

No final do mês, a embaixada comunica que o ministro do Interior, Armando Guebuza reuniu-se na Beira com governadores do norte do país. “A reunião deve ter tido por objetivo, segundo informações seguras, corrigir ações dos governadores que, sem instruções de Maputo, iniciaram o confisco dos bens e congelamento de contas bancárias de nacionais expulsos”, indica a embaixada.

“O governo pretende atenuar a precipitação inicial e tentar deter o fluxo de portugueses que se querem retirar”, acrescentou.


Abril

Expulsões e execuções em Quelimane


Após a iniciativa de Sofala registam-se avanços e recuos sobre a questão das expulsões com o Ministério dos Negócios Estrangeiros moçambicano a transmitir que o governo não encara a aplicação das medidas aos indivíduos que “desde a independência afirmam a vontade em não ser moçambicanos, mesmo que a renúncia se tivesse verificado depois do recurso aos 90 dias iniciais”, tal como previsto na lei da nacionalidade.

O responsável do MNE diz ao embaixador que “as expulsões seriam só “para os que inicialmente se tinham sentido moçambicanos mas que, por razões económicas o deixaram de ser”.

Ao mesmo tempo, são divulgados os pormenores da última reunião do Conselho de Ministros que “examinou o facto anormal que se tem verificado de inúmeros indivíduos se deslocarem sistematicamente ao estrangeiro” durante os fins de semana.

“Estas deslocações assumem um carácter tanto mais chocante quanto é certo que somente são possíveis devido à utilização de mecanismos e canais incorretos de obtenção de divisas, em prejuízo dos interesses da economia da República Popular de Moçambique”, regista a embaixada.

O governo, na sequência da reunião do Conselho de Ministros decide “instruir” as estruturas competentes no sentido de não serem autorizadas as deslocações ao estrangeiro “aos fins-de-semana”.

A medida provoca “mau estar” entre os portugueses que aproveitam as deslocações à Swazilândia e à África do Sul para o “abastecimento de produtos básicos” inexistentes em Moçambique.

No mesmo mês, o chefe da diplomacia moçambicana tenta suavizar os efeitos sobre as medidas de expulsão.

Em contacto telefónico com a embaixada, Joaquim Chissano comunica que as medidas de expulsão iam ser anuladas.

Mesmo assim, a embaixada nota que a exigência sobre a assinatura de uma declaração sobre o “abandono voluntário do país” nos embarques por via aérea “tem levantado compreensíveis protestos” por parte da população portuguesa.

A questão das expulsões é abordada pela embaixada numa reunião mantida com representante do Alto Comissariada das Nações Unidas para os Refugiados em que estão presentes os embaixadores da Índia e do Paquistão que demonstram igual inquietação.

“Informações dadas com carácter confidencial indicam que teriam renunciado à nacionalidade moçambicana vinte mil cidadãos desde a data da independência, estando os processos em análise, existindo já quatro mil casos possíveis de expulsão”, informa o embaixador sobre a indefinição acerca da legislação.

No domingo de Páscoa, a população de Quelimane é convocada pelo governador para comparecer no estádio municipal para assistir ao julgamento de dois homens apontados como responsáveis pelo homicídio de um sacerdote católico italiano.

O governador decide pelo fuzilamento e dá ordem aos militares para disparar, mas só à quinta ordem e “depois de hesitação” os dois moçambicanos “colocados frente a uma parede” são executados a tiro.

Dois caixões já tinham sido levados para o local anteriormente. “A população está apavorada e perplexa”, refere o telegrama da embaixada que sublinha a presença de população portuguesa na capital da Zambézia.

No dia 18 de abril, a embaixada comunica que a rádio tem transmitido músicas portuguesas, “fado e ranchos folclóricos” que vão “abrir ou aprofundar longo caudal de saudades que só se extinguirá com o regresso dos portugueses a Portugal”.

“Com efeito, se esta inopinada rebusca aos discos desprezados tem como sentido reter, pela aproximação musical, o português que ainda se encontram aqui, em breve haverá desilusão completa, com a saída maciça prevista para os próximos meses”, considera a embaixada.

Antes do final do mês, a embaixada refere em telegrama “urgente” que os únicos navios a efetuarem navegação entre Moçambique e Portugal são portugueses.

Maio

A ONU e os portugueses expulsos 


No dia 09 de maio, o embaixador volta a encontrar-se com o Alto Representante das Nações Unidas para os Refugiados para abordar a “expulsão dos portugueses” por motivo de renúncia de nacionalidade moçambicana.

“Embora não dispondo de números, consideram-se três possibilidades: os apátridas propriamente ditos; os detentores ilegais de passaporte português, que poderiam incluir-se entre os primeiros e, finalmente, os cidadãos portugueses que, viajando para Portugal, tão desenraizados se sentissem que se lhes poderia aplicar uma situação equivalente a apátridas”, resume o embaixador em aerograma enviado para Portugal.

Na mesma altura, é comunicado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros em Lisboa que os navios de transporte de mercadorias que devem seguir viagem nos próximos sessenta dias, “estão praticamente lotados”.

A embaixada recomenda o reforço das carreiras marítimas, devido à previsão do elevado número de portugueses que querem abandonar Moçambique e pede, por isso, o fretamento de pelo menos “vinte navios” nos próximos meses.

A 25 de maio, a revista de imprensa elaborada pela embaixada destaca a publicação do comunicado da “Comissão de Controlo de Exportação Definitiva de Bens de Pessoas Singulares” que define o que “constitui o “recheio normal de uma casa” e que vai ser aplicado à saída dos bens dos “servidores e cooperantes portugueses” que regressem a Portugal depois de terminado os respetivos contratos, previsivelmente no mês de julho seguinte.


Junho

Portugal sob fogo na imprensa 


Os jornais de Maputo e da Beira “redobram” críticas contra Portugal, entre os quais, comentários do próprio chefe de Estado, do ministro dos Transportes e, em particular, um artigo assinado pelo ministro das Finanças de Moçambique com críticas contra os militares envolvidos no 25 de Novembro de 1975 que “devolveram Portugal à Europa parlamentar e capitalista sob a égide da CIA e do imperialismo americano”.

Para o ministro moçambicano dos Transportes, apenas o PCP tem implantação junto da classe operária portuguesa porque Otelo Saraiva de Carvalho “é um romântico”, Ramalho Eanes fez várias comissões militares em África tendo sido condecorado pelo regime fascista; o general Spínola é um “conhecido nazi” e os partidos: CDS, PPD e o “PS de Mário Soares” são “fascistas”.

Em junho, é comunicado aos diplomatas que “estão limitados a deslocar-se num raio de dez quilómetros a partir dos limites da cidade” onde residem, sendo obrigados a pedir uma autorização especial com “quatro dias de antecedência” caso pretendam viajar, no interior do país.

E meados do mês, funcionários portugueses ao serviço de Moçambique mas residentes na África do Sul e na Swazilândia começam a comunicar à embaixada a intenção de regresso a Portugal, devido ao fim dos contratos que não querem renovar, pedindo auxílio no pagamento das passagens e transporte de bagagens.

A dificultar ainda mais a circulação de pessoas, o Conselho de Ministros decreta como inválidos os documentos de tráfego aéreo internacional de passageiros das Linhas Aéreas de Moçambique (DETA) por ter sido “detetada uma ampla operação, no estrangeiro, visando a saída ilegal de divisas da República Popular de Moçambique”.


Julho

Mais de 4.000 funcionários querem sair 


A emissão de novos bilhetes provoca atrasos nos voos da DETA, e mesmo da TAP, o que obriga a embaixada a comunicar no dia 12 de julho um telegrama “urgentíssimo” dando conta dos atrasos que afetam diretamente 350 portugueses impossibilitados de embarcar.

No mesmo dia, a embaixada transmite preocupação sobre as “listas de bagagens” referentes aos “recheios das casas” sublinhando “abusos e apreensões de bens que já se encontram nos cais de embarque”.

As vistorias são demoradas, registando o embaixador que, no momento, os bens devolvidos são à “razão de 40 por dia mas existindo mais de quatro mil pessoas envolvidas” e que aguardam a devolução do “recheio das casas” onde habitavam.

“Os interessados encontram-se em muitos casos em situação difícil, sem dinheiro e na perspetiva de terem de esperar ainda alguns meses, pois não desejam, conforme experiência em casos passados, a abandonar o país sem terem expedido as suas bagagens”, refere o mesmo telegrama.

No dia 19 de julho, o Notícias de Maputo publica a notícia de uma festa de despedida dada aos “servidores portugueses” do caminho-de-ferro que partem para Portugal e em que participou o ministro dos Transportes. A embaixada regista que estiverem presentes “escassas dezenas de servidores dos cerca de 800 que deixam agora o caminho-de-ferro”.

A nível interno, no mesmo mês “e de forma discreta”, a imprensa oficial noticia que através de uma portaria do Ministério do Trabalho são extintos os sindicatos dos eletricistas, regentes agrícolas, construtores civis, engenheiros auxiliares, engenheiros técnicos e dos condutores.

“Foram também nomeadas comissões administrativas para ‘regularizar funcionamento dos sindicatos dos motoristas, metalúrgicos, e metalomecânicos’”, refere a embaixada.

A 27 de julho, a embaixada pede a intervenção direta e urgente do MNE de Moçambique para que as autoridades portuárias desistam de voltar a fazer “nova vistoria” ao navio “Serpa Pinto” fretado pelo Estado português e que se encontrava pronto a partir completamente carregado de bagagens de portugueses.

No final do mês de julho, a embaixada de Portugal em Maputo informa Lisboa que, pelo menos, quatro mil funcionários portugueses e familiares pretendem deixar o país até ao início de setembro.
No fim do mês, a embaixada informa que os passaportes portugueses estão a ser emitidos em consonância com os critérios transmitidos por Lisboa e que abrangem os indivíduos “nascidos em Moçambique e que aceita a “prova de descendência” até terceiro grau aos naturais nascidos em Goa, Damão e Diu que declare querer manter a nacionalidade portuguesa.


Agosto

Samora manda abraço a “amigo” Soares e Manuel Alegre


Uma emissão da Rádio Holandesa para o continente africano transmite uma entrevista do presidente da República Popular de Moçambique.

Samora Machel afirma que são esperados no país cinco mil cooperantes portugueses, exortando “ao mesmo tempo a população” a recebê-los bem pois eram necessários ao processo do país”. A imprensa não faz referência à entrevista.

No dia 03 de agosto, é anunciado pelo Conselho de Ministros que se registou no dia anterior uma violenta explosão nas minas de Moatize, “tendo ficado soterrados 150 mineiros” havendo poucas esperanças de salvamento.

“Na sequência do desastre ter-se-iam verificado graves incidentes e desordens nos quais perderam a vida nove cidadãos estrangeiros de várias nacionalidades”, refere o telegrama “muito urgente” da embaixada de Portugal. O governo decreta três dias de luto nacional.

Um dia depois do anúncio da tragédia, o diretor nacional de Energia e Minas refere que o desastre “pode ter sido provocado por causas naturais ou sabotagem”, tendo partido para o local uma delegação do governo.

Sobre os mortos estrangeiros, a embaixada indica que “as autoridades estão a preparar-se para reconhecer que os técnicos portugueses e belgas em Moatize foram vítimas de violência e não do desastre”.

Quatro equipas de salvamento sul-africanas participam na operação salvamento, contando-se no dia 05 de agosto, 30 estrangeiros envolvidos nos trabalhos de resgate na mina.

Um dia depois, um piloto português da empresa Comague, que logo a seguir ao desastre de Moatize transportou para o local membros do governo e outras entidades “fugiu levando um dos aparelhos da empresa, supondo-se que se terá dirigido para a África do Sul”.

No dia 08 de agosto, um cooperante português em Moatize relata que o presidente Machel terá afirmado que o “desastre é um passo atrás na revolução moçambicana”.

No dia 17 de agosto, a embaixada é informada que o aeroporto estão “apenas as urnas dos engenheiros belgas mortos em Moatize” acrescentando que os restos mortais dos três engenheiros portugueses deverão ser entregues no consulado de Portugal.

O cônsul na Beira comunica que “tem havido uma certa confusão” em relação ao processo de transporte dos corpos das vítimas portuguesas.

No dia 30 de agosto, a embaixada lamenta em telegrama “muito urgente” não ter sido informada de que os corpos dos engenheiros portugueses terem sido enviados para Lisboa onde chegarão no dia seguinte, em voos da TAP.

Na verdade apenas o corpo de um dos portugueses tinha sido embarcado sendo que os dois outros só serão transportados em setembro, na companhia dos corpos de três mineiros portugueses igualmente vítimas mortais da tragédia de Moatize.

Em agosto, registam-se igualmente problemas sobre a questão da nacionalidade portuguesa a indivíduos de ascendência indiana e que requerem a Lisboa passaportes portugueses.

No âmbito da cooperação regista-se a disposição quanto à assinatura de um acordo com Portugal no setor da Energia, ainda pendente de “alguns ajustes de pormenor”, numa altura em que o socialista Manuel Alegre, secretário de Estado da Cooperação visita Maputo.

Portugal oferece 200 bolsas de estudo a jovens moçambicanos e Samora Machel envia “um abraço ao ‘amigo’ Mário Soares, através de Manuel Alegre.


Setembro

“Graves ocorrências” na Zambézia


A 12 de setembro, os corpos de três mineiros, vítimas da tragédia de Moatize, são trasladados para Portugal em voos da TAP. Os restos mortais dos dois engenheiros são finalmente embarcados para Lisboa.

No mesmo mês, um telegrama “confidencial” dá conta de que, com “base em fontes geralmente bem informadas” verificam-se “graves ocorrências” na província da Zambézia.

“Nos últimos dias teriam aparecido enforcados junto às estradas elementos de ‘grupos dinamizadores’ (Frelimo) com cartazes dizendo que teriam sido mortos pela população devido à suas actividades na formação de ‘aldeias comunais’”, refere o telegrama.

Paralelamente, registam-se esforços por parte de Moçambique no estabelecimento de uma agenda para assuntos a negociar com Portugal: recrutamento de cooperantes; cunhagem de moeda; ratificação do protocolo do acordo sobre seguros; situação dos portugueses na banca privada; aceitação nos hospitais de Portugal de doentes moçambicanos e envio de três técnicos do banco de Portugal para Moçambique.

Apesar do memorando apresentado pelo governo de Maputo, as autoridades decidem encerrar uma agência de navegação (Navetur) que movimenta os navios que efetuam o transporte de mercadorias dos portugueses.

A embaixada admite que a companhia pode vir a ser acusada do habitual crime de “sabotagem económica” e que pode, no limite, levar Moçambique a nacionalizar a companhia.

Na mesma altura registam-se novos problemas quanto ao embarque de bagagens e automóveis, registando-se protestos por parte dos portugueses em Nacala visto o espaço para carregamento de viaturas ser escasso.


Outubro

“Sabotagem económica”


As “complicações” relacionadas com o embarque de mercadorias da população portuguesa em “retirada” para Portugal continuam com o agravamento de imposições burocráticas junto das companhias de navegação e nas vistorias das autoridades nos portos de norte a sul do país o que leva a embaixada a admitir a intervenção do ministro dos Negócios Estrangeiros, Joaquim Chissano.

No dia 27 de outubro, a embaixada regista que o jornal Notícias tem vindo a publicar vários artigos com o título “Sabotagem Económica” e “quase sempre ilustrados com fotografias de contentores de “alguns sabotadores que abandonam o país”.

Ideologicamente, o jornal refere-se ao 25 de Abril em Portugal não como um “golpe revolucionário”, mas como “uma solução neocolonial” em relação aos territórios em África.

“Trata-se de uma exposição muito clara da doutrina local em relação ao 25 de Abril e que decorre, naturalmente, da posição fundamental para a Frelimo de que a ‘vitória’ foi conseguida pela luta armada”, considera a embaixada.

No mesmo dia, um telegrama informa que estariam a sair de Moçambique pela fronteira terrestre pessoas detentoras de passaportes “não revalidados” que depois “tomariam em países vizinhos” aviões para Portugal.

No mesmo mês é noticiado que 250 professores portugueses estariam dispostos a cooperar com Moçambique, mas, mesmo assim, o número de docentes é inferior às vagas disponíveis no país.


Novembro

Camões e Vasco da Gama de “regresso” à ilha de Moçambique?


Na primeira semana do mês, os embaixadores de Portugal e da Bélgica voltam a pedir às autoridades moçambicanas resultados sobre a “tragédia” nas minas de Moatize mas o Ministério dos Negócios Estrangeiros responde de “maneira embaraçada” que “possivelmente ainda não haveria nada”.

Em mensagem “confidencial”, a embaixada informa Lisboa no dia 11 de novembro que correm rumores de que as estátuas de Luís de Camões e de Vasco da Gama na Ilha de Moçambique e que tinham sido retiradas na altura da independência iriam ser repostas. O “rumor” terá provocado “indignação” junto da presidência de Moçambique.

Segundo o embaixador que considera que “vai levar tempo” a concretizar-se a reposição de alguns símbolos portugueses no país.

Um telegrama “urgentíssimo” datado de 20 de outubro relata que se estão a precipitar “os acontecimentos em relação ao transporte de bens dos portugueses porque “elementos da polícia aduaneira” pretenderam fazer desembarcar no navio “São Tomé”, 152 carros e mercadoria que tinha sido embarcada em Nacala e na Beira (mais de 300 toneladas).

“O comandante está a protelar a medida e aguarda instruções da embaixada, por navio ter sido fretado pelo governo português”, informa embaixada.

Por outro lado, a agência de navegação estatal, Anfrena, deixa de aceitar as requisições de embarque efetuadas pela embaixada e consulados de Portugal o que significa que os funcionários públicos terão de pagar “do seu próprio bolso” o transporte das bagagens no regresso definitivo a Lisboa.

“O contencioso com o Ministério dos Transportes aumenta de dia para dia”, informa a embaixada que mais uma vez admite interceder junto do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Moçambique.


Dezembro

Cinco mortos em queda de helicóptero 


No mês de dezembro morrem cinco portugueses que se encontravam a bordo de um helicóptero da empresa estatal Helpal e que trabalhavam para o Ministério da Agricultura.

No dia 05 de dezembro, uma nota do chefe da diplomacia moçambicano admite que o aparelho foi derrubado na região do Songo “pelas Forças Moçambicanas e que houve falhas nas comunicações com o piloto do helicóptero”.

As autoridades de Moçambique lamentam o sucedido, enviam as condolências às famílias das vítimas e anunciam o início de um inquérito sobre o desastre.

O embaixador refere em telegrama para Lisboa que incidentes como o do helicóptero e a “tragédia” de Moatize “traumatiza” os portugueses radicados no país, mas refere que a nota de condolências foi elaborada no sentido de tranquilizar os cidadãos de Portugal.


Expulsões e ameaças de prisão

Uma centena de telegramas sobre portugueses 


A questão dos reclusos portugueses é um dos assuntos que consta da agenda diplomática desde a independência de Moçambique, incluindo aqueles que se encontravam nos campos de reeducação da Frelimo, mas também todos os que acabam por ser detidos acusados do crime de “sabotagem económica”.

A par dos presos, regista-se, através da consulta das centenas de telegramas enviados para Lisboa pela embaixada de Portugal em Maputo ao longo de 1977, uma grande preocupação sobre as expulsões e as ameaças de detenção para os que não abandonavam o país.

Em janeiro de 1977, a embaixada comunica através de um telegrama “confidencial” que “segundo fonte fidedigna” está a ser preparada uma amnistia que abrange inúmeros presos de delito comum.

“A clemência do governo tem sida destacadas nos últimos meses, em especial nas últimas semanas, mas a clemência passa pela ‘reeducação’ dos cidadãos que, para os devidos efeitos, permanecem longo tempo nos campos de reeducação”, refere a mensagem do dia 25 de janeiro. A mesma mensagem sublinha que prosseguem detenções por “motivos políticos”.

Paralelamente à situação dos portugueses presos, uma questão que se prolonga desde a independência em 1975, ocorrem com frequência expulsões decretadas pelas autoridades locais.

“O primeiro grupo de pessoas expulsas das províncias da Zambézia e Nampula, totalizando cerca de uma centena, desembarcaram hoje na cidade da Beira tendo solicitado apoio consular”, indica a embaixada de Portugal em Maputo no dia 25 de março.

“A apresentação destes portugueses que já se encontram na Beira deve-se a uma atitude isolada dos governadores de Quelimane e de Nampula que deram o prazo de uma semana para os expulsos abandonarem as respectivas províncias”, acrescenta a mensagem da embaixada.

Dois dias depois entregam ao consulado de Portugal na Beira a lista com o primeiro grupo de 13 portugueses abrangidos pelas medidas de expulsão e “mediante uma guia em que consta que foram ‘expulsos por serem indesejáveis’”

O diplomata refere que as expulsões podem afetar – no imediato – os setores bancários e do caminho-de-ferro onde trabalhavam os portugueses obrigados a abandonar Moçambique.

A embaixada nota igualmente que a urgência com que é decretada a expulsão não permite o embarque de bens nem sequer a venda, sobretudo de automóveis de que os portugueses são proprietários.

A 06 de abril, o caso dos portugueses expulsos é comunicado diretamente ao MNE de Moçambique e uma semana mais tarde o cônsul na Beira informa que que o “primeiro lote de expulsos” (40 da Beira e 70 de Maputo) estão prontos a abandonar o país num avião fretado por Portugal.

O assunto é igualmente comunicado ao representante do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados.

A 20 de abril, a imprensa de Lisboa refere que foram expulsos dois mil portugueses ma a embaixada em Maputo indica que o número mais correto, até ao momento, está situado na ordem dos 400 portugueses obrigados a sair de Moçambique.

Um dia depois, os embaixadores de Portugal e do Paquistão reúnem-se com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Joaquim Chissano, sobre as expulsões e os métodos utilizados pela polícia nos aeroportos.

“Podem-se invocar os direitos humanos quando a dignidade da pessoa humana é posta em causa, ao impor-se às pessoas que saem do país em 24 horas, e depois, já no aeroporto, anulam a expulsão impedindo-os de partir”, protesta o embaixador de Portugal junto do chefe da diplomacia de Moçambique.

Segundo o relato que consta no telegrama 233, Chissano “achou melhor” não prosseguir com a observação.

A 22 de abril, o corpo da polícia de Moçambique comunica que todos os agentes de nacionalidade portuguesa que tinham recebido ordem de expulsão podem considerar a medida como “anulada” e que o embarque fica sem efeito.

Ao mesmo tempo, 152 portugueses pedem apoio consular para a revisão das ordens de expulsão em Maputo e no consulado da Beira dão entrada 702 processos que são encaminhados para o MNE moçambicano.

No dia 23 de abril, realiza-se nova reunião com o ministro Chissano que afirma que as “autoridades estão a analisar caso a caso”, referindo-se às centenas de ordens de expulsão de portugueses tendo criticado a “facilidade com que se obtém a nacionalidade portuguesa” nos consulados de Portugal.

Logo após o encontro com o embaixador de Portugal, Chissano reúne-se com o embaixador britânico a quem criticou as posições diplomáticas portuguesas.

“Portugal, na questão das expulsões, vai primeiro para fóruns internacionais e só depois vem falar connosco”, disse Chissano ao embaixador britânico.

Segundo o telegrama enviado para Lisboa, o ministro também disse ao embaixador de Londres que o governo português comparava a presente situação com “a havida no Uganda, o que ele considerava errado”.


Expulsão por decreto

Reclusos e portugueses 


A questão dos reclusos portugueses é um dos assuntos que consta da agenda diplomática desde a independência de Moçambique, incluindo aqueles que se encontravam nos campos de reeducação da Frelimo, mas também todos os que acabam por ser detidos acusados do crime de “sabotagem económica”.

A par dos presos, regista-se, através da consulta das centenas de telegramas enviados para Lisboa pela embaixada de Portugal em Maputo ao longo de 1977, uma grande preocupação sobre as expulsões e as ameaças de detenção para os que não abandonavam o país.

Em janeiro de 1977, a embaixada comunica através de um telegrama “confidencial” que “segundo fonte fidedigna” está a ser preparada uma amnistia que abrange inúmeros presos de delito comum.

“A clemência do governo tem sida destacadas nos últimos meses, em especial nas últimas semanas, mas a clemência passa pela ‘reeducação’ dos cidadãos que, para os devidos efeitos, permanecem longo tempo nos campos de reeducação”, refere a mensagem do dia 25 de janeiro.

A mesma mensagem sublinha que prosseguem detenções por “motivos políticos”.

Paralelamente à situação dos portugueses presos, uma questão que se prolonga desde a independência em 1975, ocorrem com frequência expulsões decretadas pelas autoridades locais.

“O primeiro grupo de pessoal expulsas das províncias da Zambézia e Nampula, totalizando cerca de uma centena, desembarcaram hoje na cidade da Beira tendo solicitado apoio consular”, indica a embaixada de Portugal em Maputo no dia 25 de março.

“A apresentação destes portugueses que já se encontram na Beira deve-se a uma atitude isolada dos governadores de Quelimane e de Nampula que deram o prazo de uma semana para os expulsos abandonarem as respectivas províncias”, acrescenta a mensagem da embaixada.

Dois dias depois entregam ao consulado de Portugal na Beira a lista com o primeiro grupo de 13 portugueses abrangidos pelas medidas de expulsão e “mediante uma guia em que consta que foram ‘expulsos por serem indesejáveis’”

O embaixador refere que as expulsões podem afetar – no imediato – os setores bancários e do caminho-de-ferro onde trabalhavam os portugueses obrigados a abandonar Moçambique.

A embaixada nota igualmente que a urgência com que é decretada a expulsão não permite o embarque de bens nem sequer a venda, sobretudo de automóveis de que os portugueses são proprietários.

A 06 de abril, o caso dos portugueses expulsos é comunicado diretamente ao MNE de Moçambique e uma semana mais tarde o cônsul na Beira informa que que o “primeiro lote de expulsos” (40 da beira e 70 de Maputo) estão prontos a abandonar o país num avião fretado por Portugal.

O assunto é igualmente comunicado ao representante do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados.

A 20 de abril, a imprensa de Lisboa refere que foram expulsos dois mil portugueses ma a embaixada em Maputo indica que o número mais correto, até ao momento, está situado na ordem dos 400 portugueses obrigados a sair de Moçambique.

Um dia depois, os embaixadores de Portugal e do Paquistão reúnem-se com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Joaquim Chissano sobre as expulsões e os métodos utilizados pela polícia nos aeroportos.

“Podem-se invocar os direitos humanos quando a dignidade da pessoa humana é posta em causa, ao impor-se às pessoas que saem do país em 24 horas, e depois, já no aeroporto, anulam a expulsão impedindo-os de partir”, protesta o embaixador de Portugal junto do chefe da diplomacia de Moçambique.

Segundo o relato que consta no telegrama 233, Chissano “achou melhor” não prosseguir com a observação”.

A 22 de abril, o corpo da polícia de Moçambique comunica que todos os agentes de nacionalidade portuguesa que tinham recebido ordem de expulsão podem considerar a medida como “anulada” e que o embarque fica sem efeito.

Ao mesmo tempo, 152 portugueses pedem apoio consular para a revisão das ordens de expulsão em Maputo e no consulado da Beira dão entrada 702 processos que são encaminhados para o MNE moçambicano.

No dia 23 de abril, realiza-se nova reunião com o ministro Chissano que afirma que as “autoridades estão a analisar caso a caso”, referindo-se às centenas de ordens de expulsão de portugueses tendo criticado a “facilidade com que se obtém a nacionalidade portuguesa” nos consulados de Portugal.

Logo após o encontro com o embaixador de Portugal, Chissano reúne-se com o embaixador britânico a quem criticou as posições diplomáticas portuguesas.

“Portugal, na questão das expulsões, vai primeiro para fóruns internacionais e só depois vem falar connosco”, disse Chissano ao embaixador britânico.

Segundo o telegrama enviado para Lisboa, o ministro também disse ao embaixador de Londres que o governo português comparava a presente situação com “a havida no Uganda, o que ele considerava errado”.


Sabotagem económica

Portugueses presos na Beira 


Em meados de agosto, em plena crise das “expulsões”, a embaixada informa Lisboa que “portugueses na Beira” estão a ser detidos. Os prisioneiros são sete portugueses proprietários de estabelecimentos comerciais acusados de “sabotagem económica”.

“A razão profunda das autoridades é a apropriação das lojas para as transformar em ‘lojas do povo’. O processo já foi usado anteriormente em Maputo onde a prisão sob a mesma alegação levou à prisão de donos de supermercados que foram transformados em ‘lojas do povo’”, nota um telegrama da embaixada de Portugal.

No final do mês de agosto, a embaixada dá conta de que “três dos sete nacionais” detidos desde fevereiro em campos de reeducação em Sofala foram já libertados, mas nove portugueses, devidamente identificados, continuam num campo na província da Beira desde janeiro do ano em curso (1977).

A 16 de setembro, o Ministério dos Negócios Estrangeiros em Lisboa é informado de que foram libertados os portugueses que se encontravam desde o princípio do ano no campo de reeducação de Santove-Inhamitanga, na província da Beira.

No dia 22 de setembro, a embaixada está em condições de comunicar que desde julho do ano anterior (1976) foram libertados “310 nacionais” sendo 210 do distrito consular de Maputo e os restantes 100 do distrito consular da Beira.

Apesar das libertações desde o ano anterior, registam-se novas detenções por crime de “sabotagem económica” sobretudo no interior do país.

Em novembro, um telegrama “confidencial” refere a recente expulsão de um “grupo importante” de pessoas de origem indiana da região de Rassano Garcia (Maputo), decretada pelo Ministério da Indústria e Comércio.

“Vários estabelecimentos comerciais pertencentes a pessoas da mesma origem tem levado a especulações sobre se não estaria Moçambique, a preparar, a curto prazo, um plano de afastamento da colónia indiana”, indica a embaixada que alerta que estão no país muitas pessoas nascidas em Goa, Damão e Diu.


Guerra

Moscovo e Havana contra a Rodésia


Os inúmeros telegramas da embaixada de Portugal em Moçambique relatam durante quase todo o ano a situação militar e o escalar do conflito entre Maputo e Salisbúria, sobretudo os ataques junto da fronteira e as movimentações políticos entre os dois países bem como os esforços de Maputo a nível internacional no sentido de conseguir aliados contra a Rodésia.

No início do ano, a embaixada de Portugal refere que a “Rádio África Livre”, que emite a partir de Salisbúria programação em português contra o governo de Maputo, tem “redobrado os ataques” contra Samora Machel. A embaixada nota que os militares moçambicanos não conseguem impedir que o sinal da rádio da Rodésia chegue a Maputo.

Moçambique exibe os destroços de um bombardeiro Camberra B-2 da Rodésia como prova dos ataques aéreos de Salisbúria, sobretudo na zona de fronteira entre os dois países.

Robert Mugabe, um dos líderes da resistência do Zimbabwe anuncia em Maputo a constituição da Frente Patriótica entre a ZANU e a ZAPU. “São objetivos da comissão combater o regime de Ian Smith, criar um Estado democrático, eliminar a exploração capitalista, criar condições para a revolução social e garantir a segurança nacional”, refere Mugabe que conta com o apoio do governo moçambicano.

O presidente de Moçambique, a bordo do contra-torpedeiro soviético “Ordarenni”, ao largo de Maputo, afirma que o “navio se encontra numa zona libertada da humanidade” e manifesta o reforço da amizade entre as Forças Armadas de Moçambique e a União Soviética.

“A visita do navio é considerada como manifestação da posição preponderante russa na política moçambicana e que tem como sequência o auxílio militar e fornecimento de armamento. No porto de Nacala tem desembarcado material em quantidades apreciáveis”, refere o telegrama da embaixada de Portugal.

O embaixador nota que a presença do navio de guerra soviético coincide com a saída definitiva do embaixador da China, “que como não podia deixar de ser é objecto de diversas interpretações”.

Além de Moscovo, assinala-se também a presença de Cuba. Fidel Castro, que está em trânsito para Angola, e que visita a Beira em março de 1977.

Logo a seguir à visita do presidente cubano, é recebido na capital moçambicana Nicolai Podgorny, presidente do Soviete Supremo da URSS à frente de uma comissão governamental e militar de Moscovo.

A embaixada sublinha o interesse das duas visitas – de cubanos e soviéticos – que apontam no sentido do apoio económico a um regime “que se inclina para uma organização socialista do Estado”, bem como o reforço da cooperação militar na tentativa de transformar o “exército de guerrilheiros” numa força “convencional” com preparação adequada e material bélico sofisticado.

A 13 de abril, um telegrama da embaixada informa que desembarcaram, de um navio mercante soviético, vinte a trinta carros de combate do tipo T-54. 

O desembarque foi feito de noite e é possível que os carros de combate tenham sido levados para o antigo Depósito Geral de Material de Guerra, no bairro militar, tratando-se dos primeiros tanques entregues às Forças Armadas de Moçambique.

No dia 29 de abril dá entrada no porto de Maputo um navio de desembarque da Marinha de Guerra Soviética com o número 551.

“Trata-se de uma das mais modernas unidades daquele tipo da Marinha russa devendo pertencer à classe “Ropucha” e dispõe de instalações para o transporte e desembarque de uma força de blindados e de fuzileiros navais semelhante a uma companhia”, indica o aerograma da embaixada de Portugal.

Em agosto entra no porto de Maputo uma divisão naval soviética constituída por um cruzador ligeiro classe “Kresta” e dois contratorpedeiros lança mísseis da classe “Krivak”.

“Estes dois tipos de navios são do mais recentes e poderosos modelos, nas suas categorias, existentes na armada soviética”, indica a embaixada de Portugal.

No dia 05 de setembro, os soviéticos desembarcam seis carros de combate que são conduzidos pelas ruas da capital em plena luz do dia em direção á zona militar de Maputo e “vistos por grande número de pessoas”.

Além de Moscovo e Havana, os moçambicanos procuram apoios regionais no conflito contra a Rodésia e promovem no país em abril reuniões de ministros da Defesa dos países da linha da frente: Angola, Tanzânia e Zâmbia, além dos representantes da Frente Patriótica de Libertação do Zimbabwe. Joshua Nkomo e Robert Mugabe.


Guerra e dissidência militar

Ainda a Rodésia


Enquanto russos enviam material de guerra e cubanos apoiam na luta contra a Rodésia, a diplomacia britânica demonstra em visitas de diplomatas a Maputo posições coincidentes em relação ao Zimbabwe.

O secretário dos Negócios Estrangeiros britânico diz mesmo a Joaquim Chissano que Londres tem a convicção de que o Zimbabwe “acederia à independência em 1978”.

Para Moçambique, a entidade legítima de um futuro Zimbabwe independente é a Frente Patriótica (ZANU-ZAPU) mas para os ingleses que promovem conversações com Salisbúria, o partido de Ian Smith não pode ser excluído do processo apesar das divergências com o Reino Unido.

Meses mais tarde, Ian Smith anuncia a realização de eleições legislativas na Rodésia.

A 30 de maio, vindos da capital da Rodésia viajam para Maputo, para consultas com dirigentes da Frente Patriótica, o subsecretário adjunto do Foreign Office, John Graham e Stephen Low, embaixador norte-americano em Lusaca.

A 13 de junho, o consulado-geral de Portugal em Maputo concede vistos a Robert Mugabe e Rugare Alex Gumbo, dirigentes da Frente Patriótica do Zimbabwe que se deslocam a Lisboa para uma Conferência sobe o Apartheid que se vai realizar na capital portuguesa.

Ainda no plano internacional, Mugabe e Nkomo da Frente Patriótica do Zimbabwe voltou a Maputo onde, a 15 de setembro, em conferência de imprensa sobre as propostas anglo-americanas para a Rodésia.

Para os dois movimentos, ZANU e ZAPU, as eleições são rejeitadas enquanto estiver ativa a atual polícia da Rodésia, “mesmo que depurada de alguns elementos”.

A presença ou intervenção de uma força da ONU é também rejeitada, sendo vincado no documento final distribuído aos jornalistas que a Frente Patriótica pretende ter elementos em todas as estruturas do período de transição para depois se realizarem “eleições democráticas e livres”.

O processo negocial está longe de chegar ao fim, tendo Mugabe anunciado o intensificar da luta armada até à aceitação “pela Grã-Bretanha de um ‘melhoramento das propostas’”.

Na mesma semana, realiza-se mais uma vez, em Moçambique, uma reunião dos países da linha da frente onde só se nota a ausência de Agostinho Neto, presidente angolano

Em meados de novembro, Samora Machel e o presidente Nyerere, da Tanzânia, reúnem-se no norte de Moçambique.

“Existe apreensão em relação a possíveis consequências sobre o insucesso do plano anglo-americano para a Rodésia. Existe o receio de que se verifique o intensificar dos ataques rodesianos – em número e gravidade – e há consciência muito clara da pouca capacidade de Moçambique para se defender”, informa a embaixada de Portugal em telegrama “confidencial”.

No final do mês de novembro, Samora Machel, durante a cerimónia da delegação sub-regional do Comité de Libertação da Organização de Unidade Africana, em Maputo, critica mesmo a “desunião” da Frente Patriótica do Zimbabwe acrescentando que “as desinteligências” são sempre aproveitadas pelo inimigo tendo acrescentado o bom exemplo da SWAPO na Namíbia que “na verdade representa o povo, pois os outros movimentos ou se juntaram ou não hostilizavam”.

A embaixada de Portugal vinca, em aerograma datado de 23 de novembro, o interesse das palavras do presidente moçambicano pois trata-se da primeira vez que é feita referência pública de “divergências” no seio da resistência do Zimbabwe.

Registe-se que o primeiro chefe da Renamo, André Matsangaíssa era um militar dissidente da Frelimo tal como Afonso Dhlakama que era chefe provincial de Intendência militar.

Só nos finais de abril de 1977 é que a Rodésia aceita apoiar a criação de um movimento de resistência ao comunismo em Moçambique que viria a ser a RNM e mais tarde a Renamo.

Um dos telegramas mais interessantes sobre a situação militar enviados pela embaixada de Portugal refere as considerações de um diplomata da Nigéria sobre a situação das independências e que é relatado para Lisboa.

“O embaixador da Nigéria dizia-me ontem que os países africanos têm vivido a ilusão da derrota do colonialismo como o fim dos seus problemas e que o que parece estar a acontecer é que a ‘história de África’ só agora está a começar e que o futuro se apresenta muito incerto”, nota o diplomata português.

A 09 de dezembro, a Frente Patriótica do Zimbabwe anuncia em Maputo que não aceita o convite da diplomacia britânica que convidou Nkomo e Mugabe a deslocarem-se a Londres.

A 20 de dezembro, realiza-se na Beira mais uma reunião de chefes de Estado dos países da linha da frente com a presença de Agostinho Neto, e que pretende demonstrar solidariedade para com a resistência contra Ian Smith e “proclamar” o princípio de transformar a Frente Patriótica do Zimbabwe “num único partido”.

A embaixada de Portugal realça a “reafirmação do apoio no sentido das negociações com a potência colonial (Reino Unido) modalidades conducentes à transferência imediata de poderes ao povo combatente do Zimbabwe a partir dos aspectos positivos da proposta anglo-americana”.


Guerra

Dissidentes e carestia


Em 1977, intensificam-se os combates e, no contexto da guerra, Samora refere-se pela primeira vez a uma resistência moçambicana que nasce no seio da Frelimo.

No terreno regista-se o abate de um “caça bombardeiro” da Força Aérea da Rodésia no dia 25 de maio perto da barragem de Cabora Bassa e infiltrações rodesianas a sul do rio Zambeze.

“Tratam-se dos primeiros indícios de novas acções militares na fronteira desde a ofensiva rodesiana de destruição de bases nas províncias de Gaza, Manica e Tete no passado mês de dezembro (1976) ”, regista a embaixada.

A 30 de maio, verificam-se combates na província de Gaza , registando-se a infiltração de forças da Rodésia em território moçambicano e, de acordo com um porta-voz do Ministério da Defesa, durante combates na província de Tete teriam sido abatidos dois aviões de combate e um helicóptero da Rodésia. Salisbúria nega o abate dos aparelhos.

No final de junho, Samora Machel, em conferência de imprensa anuncia que Moçambique vai pedir a convocação urgente do Conselho de Segurança das Nações Unidas por causa das “agressões” da Rodésia.

O chefe de Estado refere que os ataques rodesianos fizeram desde o dia 03 de março (1977) “mil e quatrocentos mortos e quatrocentos mil contos de prejuízos”.

Salisbúria desmente ataques a Manica referidos por Samora Machel, o que levanta especulações sobre se as ações se deverão a “dissidentes moçambicanos mais ou menos apoiados pelo Exército rodesiano.

Um mês depois, uma delegação das Nações Unidas desloca-se a Maputo para abordar com o Ministro das Finanças as questões relacionadas com “o auxílio que a ONU vai canalizar para o país de modo a reparar os prejuízos causados pela agressão ilegal do regime de Ian Smith”.

Armando Guebuza é nomeado para o recém criado Comissariado Político das Forças Populares de Libertação de Moçambique, que deixa o posto de ministro do Interior, ficando hierarquicamente ao mesmo nível que o chefe Estado Maior General e com a categoria de vice-ministro da Defesa.

A 03 de novembro, o relato da embaixada sobre a situação militar indica que “fontes oculares” têm referido grandes movimentos de tropas que têm saído de Maputo em direção a Marracuene.

A 23 de novembro, do mesmo mês o embaixador refere que começam a faltar géneros de primeira necessidade e que as “bichas junto dos estabelecimentos comerciais têm aumentado” sendo mais grave a situação no interior.

Na mesma altura, Samora Machel afirma que o “banditismo está a crescer” e prometeu eliminar o crime e critica os “nacionalistas que praticam o racismo”.

“Não sei se estas palavras se poderão ligar a boatos que correm acerca do forte ressentimento de elementos africanos da Frelimo que se estariam a evidenciar em relação a elementos brancos e indianos também quadros superiores do partido”, analisa a embaixada sobre as declarações de Samora Machel publicadas na imprensa.

Mesmo assim, a breve referência, inédita, do chefe de Estado sobre moçambicanos nas fileiras rodesianas causa perplexidade.

“Uma breve frase do discurso do presidente Machel quando se referia a alguns elementos ‘rejeitados’ (no seio da Frelimo ) acrescentou que ‘são estes que atravessam para a Rodésia’, o que está a provocar muitos comentários pois trata-se da primeira vez que se admite uma ‘resistência moçambicana’”.

O embaixador da Suécia refere aos diplomatas portugueses que na zona de Chimoio, onde se registam fortes combates, “havia elementos que se apresentavam como pertencentes ao Movimento Resistência Moçambicana (RNM) e que andavam abertamente pelas aldeias distribuindo panfletos”.

Na mesma altura a embaixada de Portugal sublinha que as situações de carestia são cada vez mais evidentes e que “segundo fonte próxima, o Banco de Moçambique dispõe de uma reserva líquida de divisas de cerca de 300 mil contos. Há aproximadamente duas semanas que as importações de todos os tipos estariam paradas”.

Os combates no terreno intensificam-se, sobretudo no Chimoio, onde tropas helitransportadas continuam a ser desembarcadas.

A 21 de dezembro, o MNE moçambicano informa que “doravante só serão admitidos jornalistas na República Popular de Moçambique após o necessário contacto e consentimento – por intermédio do Ministério dos Negócios Estrangeiros – da estrutura competente no Ministério da Informação e da Direção Nacional de Informação.


Nacionalizações

Petróleos e refinarias


Em Moçambique, o ano de 1977 fica igualmente marcado pelas decisões sobre a “planificação” da economia mas sobretudo pelas nacionalizações da banca, energia, seguros e empresas de capitais estrangeiros, sobretudo portugueses.

A 28 de fevereiro, o Banco de Moçambique suspende o câmbio de divisas com o estrangeiro, “exceptuando a compra de divisas a turistas”, relata a embaixada numa altura em que a instituição anuncia que não vai acompanhar a desvalorização do escudo português, registada em Lisboa no final do mês de fevereiro de 1977.

“Moçambique não vai desvalorizar a moeda porque a economia moçambicana necessita de aumentar a importação de equipamentos e bens de consumos”, tendo o governador do banco central acrescentado que a “não desvalorização” significa também a “afirmação da independência económica do país”.

A 03 de maio, um telegrama urgente da embaixada de Portugal informa sobre a nacionalização da SONAP/SONAREP, empresa proprietária da única refinaria de petróleos moçambicana, bem como de uma rede de distribuição de produtos petrolíferos de Moçambique.

A embaixada detalha que 75 por cento da SONAP/SONAREP é portuguesa, sendo cerca de dez por cento da SACOOR.

“Foram previstas indemnizações a definir por decreto em data a anunciar. A nacionalização abrange todos os bens, participações, partes sociais e acções. Em substituição daquele complexo empresarial foi criada a ‘empresa estatal PETROMOC’”, explica o telegrama “urgente”. A nacionalização entra em vigor no primeiro dia de maio.

No final do mês desloca-se a Maputo o diretor do grupo francês TOTAL, proprietário de 23 por cento da SONAP/SONAREP para tratar de indemnizações decorrentes da nacionalização da empresa.

A 10 de maio, é decretado que as ações ao portador, emitidas por sociedades com sede em Moçambique deverão ser depositadas no prazo de trinta dias, “em nome do seu titular” ou em nome de qualquer instituição de crédito pertencente ao Estado. A mensagem da embaixada sobre a medida governamental tem o carácter de “muito urgente”.

No mesmo mês, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Joaquim Chissano, insiste junto da embaixada sobre a necessidade da assinatura do “acordo do setor elétrico” entre Lisboa e Maputo que tinha sido referido no ano anterior durante negociações entre os dois países.

No final de junho, a embaixada relata que, de acordo com informações de fonte segura, teria sido descoberta uma operação ilegal de tráfego de divisas no seio da companhia estatal de aviação estatal – COMAGUE, “com envolvimento de alguns portugueses.

“A mesma fonte dá como certa a detenção de um antigo capital da Força Aérea Portuguesa, piloto-chefe daquela organização e elemento que serviu de contacto para a aquisição de seis aviões ‘Noratlas’ a Portugal. A rede agora descoberta envolveria ainda alguns funcionários do banco de Moçambique”, acrescenta a embaixada em telegrama enviado para Lisboa.

Em agosto, e depois do que aconteceu no setor do petróleo, um decreto-lei do Conselho de Ministros cria a Empresa Nacional de Electricidade (E.E.). “A empresa vai resultar da fusão dos serviços autónomos da Electricidade de Moçambique, Serviços Municipalizados de Água e Electricidade – Maputo e Quelimane e Serviços Municipalizados e Serviços Municipalizados de Eletricidade da Beira.

Em setembro é extinta o organismo de Inspecção de Crédito e Seguros, o que levanta preocupações sobretudo junto dos trabalhadores portugueses das seguradoras e da banca.

No mesmo mês, o diretor do Banco Pinto e Sotto Mayor comunica à embaixada “grave preocupação” sobre os pagamentos das obras da barragem de Cabora Bassa que eram efetuados quase na totalidade com verbas da instituição (o único totalmente do Estado português, em Moçambique).

As preocupações do banco prendem-se com as ordens dos depósitos deixarem de ser feitas para a conta da Direção Geral do Tesouro no Pinto e Sotto Mayor, para serem operadas através do Banco de Moçambique.

A 24 de outubro, um telegrama “confidencial” refere que “consta que o Ministério das Finanças vai efetuar, até ao final do ano, a reestruturação da banca comercial de Moçambique, passando a haver apenas dois bancos comerciais controlados pelo Estado ou mesmo estatais, resultantes da fusão dos atuais Banco Pinto Sotto Mayor, Banco Standard Totta, Banco de Crédito Comercial e Industrial, Banco Comercial de Angola e Banco de Fomento Nacional.

“Como é do conhecimento, estes cinco bancos são no todo ou em parte propriedade da banca portuguesa nacionalizada pelo que se nos afigura uma tomada de posição caso a reestruturação da banca seja efectuada com prejuízo para os interesses portugueses”, refere o telegrama da embaixada.

Próximo do final do ano, os representantes da banca privada comunicam à embaixada que tinham recebido instruções diretas das autoridades “para não efetuarem operações” a partir do dia 31 de dezembro: “admitem que a medida pode estar relacionada com o lançamento de novas espécies monetárias ou com o ‘projeto de reestruturação da banca’”.

Em novembro, um outro telegrama “confidencial” comunica a Lisboa que após contactos com a embaixada de Roma em Maputo, a companhia aérea italiana Alitalia se prepara para começar a efetuar voos para Moçambique.

A 19 de dezembro, a revista de imprensa da embaixada destaca que as empresas consideradas “de importância estratégica para a economia do país” vão passar a ser “controladas directamente pelo Conselho de Ministros”.

“Nomeadamente a Companhia Carbonífera de Moçambique, e a Hidroeléctrica de Cabora Bassa”.

O anúncio teria sido feito pelo Ministro para o Desenvolvimento e Planificação Económica, Marcelino dos Santos o que leva a embaixada a comunicar que pretende avistar-se com o governo o mais urgentemente possível para esclarecimentos sobre o “novo regime” de “planificação”.


Ditadura democrática… 

… e revolucionária


Um dos telegramas da embaixada de Portugal revela a posição da diplomacia moçambicana sobre a África do Sul que, em contacto com o MNE da República Federal  da Alemanha, indica que Maputo jamais tomará como iniciativa a imposição de sanções contra a África do Sul.

A política interna é a política do partido que em 1977 realiza o terceiro congresso, num período marcado pelo fortalecimento das relações com os países do Bloco de Leste, pelas nacionalizações e pela planificação económica mesmo numa altura em que a colheita da castanha de caju conhece um período de crise grave. A implantação do marxismo-leninismo é um facto: desde os discursos políticos aos nomes das ruas.

Em janeiro, a embaixada dá conta de novas alterações na toponímia de Maputo onde é anunciada a rua Álvaro Cunhal e a rua Catarina Eufémia.

Ainda no princípio do ano – numa das conferências preparatórias do III Congresso da Frelimo -, Joaquim Chissano declara que a criação do partido (Frelimo) marxista-leninista “será uma necessidade concreta”.

Na mesma altura, o secretário-geral do Partido Comunista Português, Álvaro Cunhal, visita Moçambique onde se encontra com membros do governo e “amigos”.

A 04 de abril, um telegrama “confidencial” da embaixada refere que partiu para a União Soviética um grupo de 75 elementos para “preparação técnica no domínio militar, em concordância com os objetivos declarados recentemente por Samora Machel sobre a formação de uma Marinha e Força Aérea, bem como a introdução de armas sofisticadas no Exército”. No mesmo dia é anunciado o “Tratado de Amizade e Cooperação entre Moçambique e a União Soviética”

A 30 de junho, a embaixada informa que está em Maputo Luís Carlos Prestes, secretário-geral do Partido Comunista do Brasil. No mesmo mês é anunciada a atribuição do Prémio Lenine para a Paz, por Moscovo, a Samora Machel.

Em meados de julho, a imprensa destaca a oferta de pelo embaixador da URSS de 800 livros de literatura política, sobretudo obras de Lenine “oferecidas à Frelimo pelo Comité Central do Partido Comunista da União Soviética”.

“Será muito difícil competir com ‘literatura política’, mas pensei que não deixaria de ser bem recebida uma oferta de Portugal de livros científicos, técnicos e dicionários, de que dizem haver grande falta no país”, recomenda a embaixada em aerograma datado de 15 de julho.

No dia 04 de agosto, o jornal Notícias, destacado na revista da imprensa da embaixada de Portugal, refere a recente declaração do presidente angolano, Agostinho Neto, sobre os acontecimentos de Angola de 27 de maio (golpe de Nito Alves) em que diz que “o MPLA não é um partido comunista, nem pela sua concepção nem pela sua organização”.

No final de agosto, durante uma reunião do Comité Central da Frelimo, Samora Machel anuncia a realização de eleições para a formação de assembleias em todos os níveis do Estado (localidade, província e cidade) tendo como objetivo substituir a “ditadura dos exploradores pela ditadura democrática e revolucionária”.

As eleições vão realizar-se a 25 de setembro. “Apesar da imprensa ter anunciado a participação de milhões de eleitores, o número total de eleitores terá atingido os dez mil, tendo o ato decorrido através do sistema de braço levantado”, indicará a embaixada dias depois das “eleições”. “Todos os candidatos que chegaram à fase final foram naturalmente eleitos, tendo contudo sido rejeitadas no início algumas candidaturas de indivíduos acusados de ‘colaboração com as autoridades coloniais’.”

Ainda antes do mês de agosto terminar, o embaixador de Portugal comenta em telegrama dirigido a Lisboa o acordo de pescas firmado entre Moçambique e a União Soviética, que iria permitir o uso de águas territoriais a “grandes navios russos” em troca de mais de 10 por cento da produção.

Em setembro, Maputo recebe a visita de uma delegação da Internacional Socialista, chefiada pelo sueco Olof Palme registando-se que a organização não tem posição sobre o plano anglo-americano para a Rodésia.

A 12 de setembro, a embaixada de Portugal refere que Cuba se prepara para receber 1.200 estudantes e a 24 do mesmo mês é firmado o protocolo adicional do acordo de cooperação entre Moçambique a China.

A delegação moçambicana, chefiada por Marcelino dos Santos, que visita a China desloca-se depois à República Democrática da Coreia, onde se avistou, em Pyongyang com o líder Kim Il Sung.

“Marcelino dos Santos, à chegada a Maputo referiu-se à organização do partido e das comunas rurais, naqueles países (China e Coreia do Norte) para afirmar que são modelos que servem a Moçambique”, indica a embaixada de Portugal.

O tratado de amizade e cooperação mútua com Cuba é assinado a 17 de outubro, “muito semelhante ao que foi assinado com a União Soviética”.

Antes do final do mês de outubro é estabelecido um acordo de cooperação entre Moçambique e o Reino Unido.

Na mesma altura, consta em Maputo que Marcelino dos Santos se prepara para se deslocar a Moscovo para “sossegar” as autoridades soviéticas da recente viagem realizada à China e a República Democrática da Coreia e ao encontro entre Samora Machel e o presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter.

Regista-se em novembro um acordo de cooperação agrícola com a Suécia e um encontro em Maputo entre Chissano e Klaus Andreas, ministro dos Negócios Estrangeiros da República Federal da Alemanha (RFA).

“Parece tratar-se do primeiro passo de abertura. Até agora tinha-se mostrado difícil, dada a grande desconfiança com que eram olhados os contactos com a Alemanha Ocidental”, refere a embaixada de Portugal, a 02 de novembro.

Em conversa privada com o chefe da diplomacia da RFA, Klaus Andreas conta ao embaixador “um pormenor interessante” por parte de Chissano sobre o regime de Pretória.

“Moçambique nunca tomaria a iniciativa de sanções económicas contra a África do Sul: 
‘acompanharemos sanções se elas vierem a ser votadas, mas não acreditamos que o venham a ser’”, terá dito o ministro de Negócios Estrangeiros de Moçambique ao chefe da diplomacia da Alemanha Ocidental.

Por outro lado. Marcelino dos Santos, durante a estadia recente na União Soviética, teria acordado o envio de grupo de especialistas de Moscovo para estudar a “planificação” económica do país e fazer a análise do “aproveitamento do vale do Limpopo”.

A 09 de dezembro, a embaixada envia uma mensagem para Lisboa sobre a “grande campanha que instiga o povo para a colheita da castanha de caju” que naquele momento representava “a maior parte das divisas do país”.

A colheita ficou longe do que seria de esperar porque, nota a embaixada, a produção sofreu decréscimo “drástico” nos últimos dois anos “com a destruição pela Frelimo da rede de pequeno comércio de província identificada com a ‘exploração colonialista’”.

No final de dezembro, o Comité Central da Frelimo, como partido político, é eleito pelo terceiro congresso, em Maputo dando relevância da primeira sessão da Assembleia Popular.

O embaixador que esteve presente na sessão regista que Samora tinha ao lado Marcelino dos Santos e Joaquim Chissano, que “tudo correu como previsto” e que o presidente apontou como uma das principais tarefas é a “reestruturação da banca, em conformidade com as directivas do terceiro congresso da Frelimo”.


Pedro Sousa Pereira, 2015-07-11
http://www.independenciaslusa.info/1977-telegramas/