20 de outubro de 2016

Telegramas de 1978: Depurações e socialismo




Os mais de mil telegramas da embaixada de Portugal em Maputo destacam em 1978 a situação interna da Frelimo em “processo de depuração” e reestruturação que leva a inúmeras detenções e ataques diretos contra a igreja católica por parte do aparelho de Estado e do partido. O ano fica também marcado pelo intensificar do conflito com a Rodésia e pelo aumento da presença soviética e cubana no país, bem como pela instauração do serviço militar obrigatório.

Ao mesmo tempo, os campos de reeducação mantêm-se ativos, não havendo acesso a processos judiciais justos, o que provoca séria preocupação nomeadamente à administração norte-americana.

Moçambique mantém o plano de nacionalizações de propriedades e empresas, incluindo de companhias portuguesas.

Apesar da introdução da “economia planificada” ao estilo socialista, nota-se ao longo do ano situações de carestia, sobretudo na província, começando a faltar produtos de primeira necessidade. Verificam-se graves problemas na colheita do arroz e uma crise na produção da castanha de caju.

Mesmo assim, o socialismo é vincadamente a identidade ideológica do poder chefiado por Samora Machel.


Janeiro

Um país na “passagem ao socialismo” 


“Interpretando as justas aspirações do povo moçambicano, unido e organizado pela Frelimo, seu partido de vanguarda, as directivas económicas e sociais do III Congresso determinaram a necessidade da criação da base material e ideológica para a passagem ao socialismo”, transcreve a embaixada de Portugal no dia 03 de janeiro de 1978.

De acordo com a linha do partido, na “prossecução dos objectivos” a banca deve desempenhar um papel importante, “como instrumento do Estado”, na centralização e distribuição dos recursos financeiros do país.


“A estrutura bancária em Moçambique, resultante da concorrência colonial-capitalista, reflecte-se hoje por uma proliferação de bancos, fortemente concentrados nas cidades, dotados de equipamento e instalações onde se procederam a gastos desnecessários à custa da exploração das massas trabalhadoras”, declara a Frelimo sobre a esperada nacionalização da banca.

O mesmo documento especifica que as “pessoas singulares e colectivas” que se considerem com direito a serem indemnizadas devem “apresentar os pedidos” no prazo de 30 dias no Ministério das Finanças.

Cessam assim, as atividades do Banco Pinto e Sotto Mayor, Banco de Fomento Nacional, Banco de Crédito Comercial e Industrial e Banco Comercial de Angola.

No final do mês, a embaixada de Portugal refere que o embaixador da Roménia confidenciou que os mineiros romenos de Moatize vão ser substituídos por profissionais da Alemanha de Leste. Nas minas Moatize tinha-se registado no ano anterior um acidente que provocou a morte a 150 pessoas, entre os quais sete portugueses.


Fevereiro

Frelimo em “grande campanha”


No início do mês, as fortes chuvas que se fazem sentir em Moçambique e na África do Sul levam Maputo a pedir “auxílio urgente” ao governo português sob a forma de embarcações” destinadas a retirar a população das regiões que possam vir a ser seriamente afetadas.

Dois dias depois, a embaixada de Portugal comunica ao Ministério dos Negócios Estrangeiros que vão ser enviados “cinquenta barcos pneumáticos”, acompanhados dos respetivos “operadores” para o salvamento de populações das regiões do Limpopo e Incomati.

Do ponto de vista político, a 07 de fevereiro a embaixada informa que está a ser feita uma “grande campanha” a nível nacional para a preparação dos moçambicanos sobre a “reestruturação do partido” (Frelimo).

“Pormenor muito curioso foi a publicação de um discurso de Samora Machel – ao que dizem pela primeira vez – proferido após o assassinato de Mondlane (1920-1969) e onde se fazem acusações de cumplicidade por parte de dirigentes da Frelimo” no crime, refere o telegrama do embaixador, acrescentando que os jornais prometem a publicação da lista com os nomes dos “implicados” na morte do primeiro dirigente da organização.

A 13 de fevereiro, a revista de imprensa da embaixada destaca a publicação de uma fotografia publicada na capa do Notícias em que o presidente moçambicano exibe um “artístico jarro de cristal” oferecido pelo Partido Comunista Português em e entregue por um “grupo de cooperantes portugueses a trabalhar em Maputo”.

No mesmo dia é “neutralizada” uma “acção reaccionária” no cais de minério da Matola que, segundo a embaixada de Portugal, se trata apenas de reivindicações salariais tendo os trabalhadores sido acusados de “sabotagem económica” tendo ficado de imediato sob “vigilância popular”.

Também a 13 de fevereiro, um telegrama “confidencial” indica que a jornalista Teresa Sá Nogueira, que trabalhava na AMI (agência oficial moçambicana) foi afastada. “Ao que parece por ter escrito dois artigos no Diário Popular, de Lisboa, em que fazia referência a não ter sido festejada em Moçambique a ‘Revolução de Outubro’ (Rússia, 1917)”.

De acordo com a embaixada, o ministro da Informação, Jorge Rebelo, numa reunião com jornalistas, acusou Teresa Sá Nogueira de “trazer para Moçambique o conflito sino-soviético, o que não seria tolerado” e anunciou o despedimento da jornalista.

Em transmissão “confidencial”, a embaixada regista uma “conversa” mantida com um jornalista português, não identificado, e que expôs as dificuldades crescentes com que se deparam os jornalistas estrangeiros em Moçambique. “A maioria são moçambicanos brancos aqui nascidos ou naturalizados, alguns há pouco tempo. Segundo aquele jornalista me disse, apesar de gostar de Moçambique, e de ‘ter acompanhado o processo’ , sentia-se marginalizado”, refere o telegrama da embaixada.

“O trabalho de jornalista tinha em Moçambique um carácter nitidamente político (‘a partir do recente seminário sobre informação, os jornalistas serão mesmo submetidos a treino político e militar’) o que tornava difícil a integração dos jornalistas estrangeiros”, acrescenta.

O mesmo aerograma explica também que, na altura, tinha sido recrutado “um importante grupo” de jornalistas portugueses mas que, segundo a mesma fonte, encontravam-se ao serviço dos vários ministérios. “Preparam longos, frequentes, e mais ou menos ideológicos textos que são continuamente publicados”, refere a mesma fonte sobre os jornalistas portugueses ao serviço do Estado moçambicano.

Antes do final do mês, Samora Machel durante a cerimónia de abertura do ano letivo fala de forma “violenta” sobre a indisciplina, a falta de aplicação, tribalismo, regionalismo e corrupção moral nas escolas que atribui a “manobras da reação”.

Março

Inundações agravam problemas 


Em meados do mês de março de 1978, um aerograma “confidencial” da embaixada de Portugal enviado para Lisboa refere a “grande deterioração das condições de vida nas áreas mais afastadas de Maputo”. “Não só de géneros alimentícios mas de todo o género de artigos.”

Os relatos que a embaixada envia para Portugal indicam que quando se viaja pelas estradas vêm-se “pessoas nuas, o que anteriormente nunca acontecia e que o problema da alimentação foi agravado pelo facto de as autoridades irem ao campo recolher as colheitas e não pagarem, o que faz com que os camponeses produzam apenas o mínimo para subsistirem”.

A situação é agravada pelas inundações que afetam as populações no vale do Zambeze.

“As inundações teriam sido causadas pelo facto de grandes chuvas terem coincidido com algumas descargas (previstas desde fevereiro) da barragem de Cabora Bassa”, refere a embaixada.

“Em toda a Zambézia há dezenas de milhar de pessoas deslocadas, que perderam todas as suas culturas e haveres. Receia-se a perda de grande quantidade de gado”, nota a embaixada dias mais tarde em mensagem “confidencial”.

No final do mês a diplomacia moçambicana admite existirem “cerca de 200 mil desalojados” em virtude das cheias.

A 22 de março, o chefe de Estado reúne-se com “350 compatriotas, ex-prisioneiros políticos do regime colonial português”, afirmando que para estruturar o partido, todos se precisam de conhecer e que “ignorar o passado seria inconsciente”.

A 23 de março, é anunciado “com grande relevo” a instauração do serviço militar obrigatório de dois anos “para todos os cidadãos com idade superior a 18 anos, sem distinção de sexo, idade, origem étnica, religião, posição social ou profissão”.

Em mensagem “confidencial”, a embaixada indica que o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Moçambique recordou, em conversa mantida com “alto funcionário”, do mal-estar que se regista entre os diplomatas dos partidos comunistas depois da publicação de uma circular enviada às embaixadas e que estabelecia um regime muito mais “severo” sobre as importações diplomáticas.

“Ao que parece a circular foi provocada pelo escândalo tornado público sobre material radiofónico importado por missões dos países comunistas com isenção de direitos”, indica o telegrama.

No final do mês Moçambique, a União Soviética assinam um acordo de cooperação no domínio da geologia incidindo em minérios como bauxite, níquel, ouro e carvão. “O projecto prevê o envio de cerca de 60 especialistas soviéticos que vão permanecer em Moçambique durante três anos”, indica a embaixada de Portugal.

A 30 de março, a embaixada diz saber de uma reunião no Banco de Moçambique onde foi discutida a “falta de trocos”, que continua a provocar “dificuldades crescentes”.

“Responsável teria dito que foram enviadas várias mensagens ao Banco de Portugal sem que tivessem tido qualquer resposta. Segundo nos consta, franceses têm apresentado propostas ao governo de Maputo no sentido de se encarregarem da cunhagem da moeda metálica moçambicana”, informa a embaixada.

No último dia do mês, um aerograma “confidencial” refere que a embaixada tem informações sobe o aumento de conselheiros militares soviéticos e principalmente cubanos e que não se destinam “não apenas à Frente Patriótica”, mas também às Forças Armadas moçambicanas.


Abril

Os EUA e os “campos de reeducação” 


A 20 de abril, a embaixada de Portugal envia para o MNE, em Lisboa, o resumo de uma reunião com o embaixador de Washington em Maputo acerca do relatório dos Estados Unidos sobre a situação dos direitos humanos em Moçambique que ainda não tinha sido tornado público. “O documento demonstra preocupação sobre o número de pessoas nos campos de reeducação, a maneira como são condenadas, indefinição sobre o período de internamento e, de uma maneira geral, falta de garantias de julgamento “, informa a embaixada.

O relatório já era do conhecimento do ministro dos Negócios Estrangeiros, Joaquim Chissano que terá dito ao embaixador dos Estados Unidos que estavam a ser tomadas medidas e que o país “precisava de mais uns meses” para solucionar o problema.

No mesmo telegrama, o embaixador sublinha que falou do mesmo assunto com o bispo de Nampula, D. Manuel Vieira Pinto, que se mostrou muito preocupado com “abusos e arbitrariedades generalizadas, sobre as quais já tem falado com o presidente (Samora Machel)”.

No dia 26 de abril, a presidência da República anuncia a remodelação ministerial e a substituição de governadores provinciais, com a justificação do “reforço da direcção económica”, mas também com preocupações sobre a “defesa da ordem pública e repressão contra todas as formas de criminalidade e perturbação social contra os inimigos do povo e da revolução”.

Foi também criada a Comissão Nacional do Plano, de acordo com as decisões do III Congresso da Frelimo, no final do ano anterior (1977).

“Mesmo assim, a remodelação do governo não parece implicar grandes alterações significativas no equilíbrio das forças no seio do gabinete, embora a posição de Marcelino dos Santos sai consideravelmente reforçada”, analisa a embaixada em mensagem “confidencial”.


Maio

Capitalismo com “pescoço no tronco”  


Samora Machel, a 01 de maio, dia do Trabalhador, diz que o capitalismo em Moçambique “vai ter de encostar o pescoço no tronco”.

“Nós vamos cortá-lo com um machado”, afirma o chefe de Estado Moçambicano fazendo o elogio aos aliados naturais do país, União Soviética, Cuba, Coreia do Norte, Roménia e República Popular da China. 

“O discurso teve, no entanto, um certo tom defensivo, procurando desculpar as dificuldades registadas no abastecimento e fazendo a apologia no trabalho dos técnicos dos países socialistas (‘trabalhadores internacionalistas’)”, relata a embaixada de Portugal enviada para Lisboa depois das cerimónia que assinalaram o 1.º de Maio.

Ao mesmo tempo, é divulgada a deslocação de Machel à Coreia do Norte, Mongólia, China e Hungria em “avião fretado pela DETA à Alitalia”.

Em meados do mês de maio é nacionalizada a Companhia Carbonífera de Moçambique, por decisão da Comissão Permanente da Assembleia Popular sob “forma de lei”. A empresa nacionalizada passa a chamar-se CARBOMOC (Empresa Nacional Carvão de Moçambique).

São publicadas igualmente as condições das indemnizações em virtude da nacionalização da companhia assim como os “direitos sobre as terras e outros recursos da natureza”.

A determinação da Assembleia Popular acusa a forma de gestão verificada nos últimos dois anos no setor e em particular na empresa, registando-se graves acidentes que “causaram dezenas de mortos e graves danos materiais”.

Ao mesmo tempo, o novo ministro do Trabalho, Alberto Cassimo, declara que a nacionalização estava enquadrada nas diretivas do III Congresso do Frelimo.

No mesmo mês regista-se a “depuração das fileiras” do partido. Na sequência do encontro entre Machel e os mais de trezentos ex-presos políticos do regime colonial português são efetuadas detenções em todo o país.

“Soubemos de diversas fontes dignas de confiança que houve há dias uma vaga de prisões por motivos políticos que atingiu várias figuras destacadas do novo ‘establishment’ local. Entre os quais o pintor Malangatana”, informa o embaixador.

No mesmo telegrama a embaixada de Portugal indica que, no entanto, a maioria das pessoas detidas teriam estado “somente” sob regime de prisão domiciliária e que, entretanto, já teriam regressado ao trabalho.

“Trata-se assim, ao que parece, de simples episódio de campanha da depuração em curso no seio do partido e do aparelho do Estado”, explica a embaixada sublinhando que não é claro que se por detrás da campanha não está uma “manobra de fração da linha soviética” para desacreditar certas figuras políticas e intimidar a “corrente liberal” dentro do regime.

Paralelamente, regista-se o aumento dos “problemas de abastecimento” . “Há cerca de uma semana não há pão dada inexistência de farinha de trigo”, refere a embaixada acrescentando que a carência de milho levou ao abate e venda de dezenas de milhares de frangos o que faz também recear a perda de suínos porque, indica Maputo: “já só há rações para três ou quatro dias”.

No final de maio é anunciado o início dos trabalhos da Comissão Permanente da Assembleia Popular encarregada da Revisão Constitucional. “A revisão seria devida à ‘necessidade de a adequar às presentes condições da luta de classes”, declara a assembleia.


Junho

Depurações e “estágios de reciclagem política”


A 02 de junho, um telegrama confidencial dá conta de preocupações relacionadas com as prisões efetuadas no contexto da “depuração” do partido e que visou antigos presos políticos do regime colonial português.

De acordo com os telegramas da embaixada, muitos foram enviados para “estágios de reciclagem política” na província o que significava, “na verdade, lavagem ao cérebro intensificada”.

“Famílias não puderam ver as pessoas em causa, nem sabem onde se encontram. Até agora tive conhecimento que estão, entre muitos outros, nas condições referidas o senhor Seita (do Banco de Moçambique), o escritor Ruy Nogar e o pintor Malangatana”, indica a embaixada.

No final da primeira semana do mês de junho são publicados os editais para o recenseamento militar obrigatório e que termina no final de julho.

Em vésperas de mais um aniversário da independência (25 de junho) corre a informação em Maputo que as autoridades se preparam para lançar novas moedas e notas.

“Novas notas (fabricadas ao que consta em Inglaterra) teriam sido desembarcadas em Maputo e já estariam depositadas no Banco de Moçambique”, relata o embaixador em telegrama “confidencial”.
Ao mesmo tempo, as situações de carestia continuam a acentuar-se com a falta de açúcar e citrinos, entre outros produtos.

“Pessoas ligadas ao comércio de combustíveis disseram-se que a nível do consumo, incluindo combustíveis industriais, este momento é semelhante ao de 1967, e continua a descer, o seria um índice muito significativo”, analisa o embaixador.

O próprio chefe de Estado refere que em Gaza se estavam a verificar problemas na ceifa do arroz.

“Com efeito, parece concluir-se que das 35 mil pessoas que deviam participar na ceifa apenas estão a trabalhar 7.500 e não existem nem transportes, nem alojamento, nem comida para os trabalhadores necessários”, informa a embaixada de Portugal referindo que para Samora Machel a responsabilidade é do espírito dos oportunistas que não querem trabalhar sem que lhes seja dado “nada em troca”.

Para a embaixada a declaração do presidente “leva a acreditar” que não há dinheiro para pagar aos trabalhadores.

A crise do arroz continua a ser acompanhada pela embaixada que em novo telegrama “confidencial” indica que Samora Machel criticou de forma violenta os técnicos búlgaros no Limpopo que introduziram um processo de sementeira que “fez tombar o cereal” que impede a ceifa mecânica obrigando ao corte manual.

Por falta de mão-de-obra, as autoridades levaram para os campos de arroz 40 mil pessoas para uma “campanha” de ceifa em que participou o próprio Samora Machel, durante os dois dias e que recebeu a “flâmula de melhor camponês”.

A 23 de junho, Moçambique assina um acordo de cooperação com a República Democrática Alemã para o setor da geologia e da exploração mineira (cobre e ouro na província de Manica).

Um dia após mais um aniversário sobre a independência, a embaixada de Portugal escreve que, ao contrário dos anos anteriores, as festas não ficaram marcadas com manifestações de massas e que a cidade de Maputo se encontrava deserta.

Samora Machel faz um “curto discurso de circunstância” em que refere as ligações aos países socialistas.

Na cerimónia oficial que no mesmo dia reuniu o corpo diplomático foi “notada pelos embaixadores a beleza das baixelas” utilizadas durante a receção: “Baixelas de prata com as armas portuguesas e salvas de prata com as armas da Rodésia, ofertas dos respetivos governadores a governadores-gerais de Moçambique no tempo colonial”, escreve a embaixada.


Julho

Uma explosão e a expulsão do padre Jardim


Em julho, a recente “depuração” da Frelimo é referida na imprensa de Maputo, fazendo a embaixada uma alusão “a técnicas soviéticas” de usar contra os pretensos inimigos do regime as próprias experiências e sofrimentos dos resistentes e elementos que, no passado, “contribuíram”, em alguns casos, para revolução.

“É curioso que como um dos exemplos sobre casos de traidores que têm existido em várias revoluções se cita Portugal: ‘mais recentemente se olharmos a situações em Portugal, constataremos que alguns de entre os que mais lutam contra a causa dos trabalhadores democratas portugueses são antigos prisioneiros políticos recuperados no Tarrafal, Peniche, Caxias e outras prisões”, transcreve a embaixada sobre os argumentos que levaram o regime a prender antigos moçambicanos que lutaram contra o Estado Novo.

A 12 de julho, é notado o desencanto sobre o tom do discurso de Machel sobre a inauguração da Campanha Nacional de Alfabetização. Mesmo assim, o chefe de Estado refere que a “generalização da língua portuguesa é um veículo importante de comunicação entre todos os moçambicanos” e para o futuro comum.

A 19 de julho, é noticiada a expulsão do padre Jardim, de nacionalidade portuguesa e que se encontrava há longos anos no Niassa. “O padre Jardim foi acusado de não respeitar a FRELIMO e de ‘fomentar a poligamia’” diz a embaixada em telegrama enviado para Lisboa acrescentando que o sacerdote português terá celebrado um casamento “que não agradara às autoridades locais”.

No dia 20, a embaixada regista “segundo fonte segura” que todos os alunos e professores da Escola Comercial e Industrial de Nampula foram enviados para um campo de reeducação porque surgiram palavras de ordem nas paredes das salas e dos lavabos “anti revolucionárias contra a Frelimo e o presidente Machel.

A mesma fonte referiu que se verificava uma grave crise de abastecimento, “faltando inclusivamente energia elétrica”.

A 26 de julho, verificou-se uma explosão na Pastelaria “Scala” na baixa de Maputo e que provocou quatro mortos e mais de cinquenta feridos. “Trata-se da primeira acção deste tipo verificada em Moçambique”, sublinha a embaixada de Portugal.

Um responsável pelas forças de segurança declara que a explosão “é parte de um conjunto de manobras de sabotagem que tem vindo a ser combatidas nos mais diversos sectores da sociedade”.

No mesmo dia, um telegrama “confidencial” refere que a bomba na pastelaria continua a ser alvo de especulações.

“Há duas teses com explicações sobre o acontecimento: 1. Rodesianos, após ações terroristas verificadas nos subúrbios de Salisbúria quereriam demonstrar que eram capazes retaliar no centro de Maputo; 2. “Resistentes” moçambicanos que teriam decidido passar a uma fase mais ativa das suas atividades, chamando ao mesmo tempo a atenção do público para possibilidades de ações contra as autoridades que têm sido ocultadas”.

A 31 de julho, um outro telegrama “confidencial” indica que um avião moçambicano Nord-Atlas “teria sido desviado” para um dos países vizinhos, em “data muito recente”.


Agosto

Pedido de auxílio aos Estados Unidos?


Na primeira semana de agosto um aerograma “confidencial”, através de informações recolhidas em várias embaixadas, comunica que o governo de Maputo estaria a procurar auxílio e fornecimento de produtos alimentares junto de países ocidentais, nomeadamente Estados Unidos.

A 08 de agosto, começa na capital a quarta reunião do Comité Central da Frelimo, com referências ao “movimento comunista internacional” por parte de Samora Machel.

Apesar do alinhamento a Leste, no dia 10 de agosto, a Suécia assina um acordo de assistência e cooperação com Moçambique.

A meados do mês (17 de maio) o chefe de Estado, no encerramento da reunião do Comité Central da Frelimo “referiu-se à lusofonia (a par da francofonia e da anglofonia) como forma indesejável de penetração colonial”.

“A par das forças mercenárias de agressão, a ofensiva do imperialismo caracteriza-se pelo divisionismo e pela ofensiva cultural através da reactivação da francofonia e da anglofonia e na tentativa em curso de se criar uma lusofonia”, afirma Samora Machel citado no aerograma da embaixada.

“Permito-me a pedir atenção (…) sobre a susceptibilidade com que as autoridades moçambicanas demonstram recentemente acerca de conceitos como ‘países de expressão portuguesa’”, acrescenta ao embaixador, analisando o discurso do presidente de Moçambique.

Além das questões diretamente relacionadas com as conclusões do III Congresso sobre planificação económica, aldeias comunais, nacionalizações e comércio privado, a embaixada chama a atenção para as medidas disciplinares tomadas na reunião do Comité Central da Frelimo.

No final, são comunicadas as expulsões do Comité Central da Frelimo a Joaquim Ribeiro de Carvalho (ministro da Agricultura), Luís Alface e Artur Thaimo, que é mesmo acusado de ter pertencido à ANP (Acção Nacional Portuguesa), entre outros elementos apontados de tentativa de bloqueio ao “processo de avanço rumo ao socialismo”, nomeadamente dúvidas em relação à implementação das aldeias comunais.

A demissão do ministro da Agricultura é oficializada a 28 de agosto, através de comunicado em que o próprio presidente acusa Joaquim Carvalho de ter levantado bloquear o processo de criação das aldeias comunais, tendo “desprezado o setor da produção familiar”, nas províncias.

Joaquim Carvalho e João Cosme, antigo diretor nacional para a cooperação internacional do Ministério do Plano, são colocados sob regime de “ prisão domiciliária”. No mesmo mês, é recebido em Maputo – com “todas as honras” – o primeiro-ministro do Lesotho, Leabua Jonathan.

As cerimónias são marcadas pelos discursos contra a África do Sul com referências “às intervenções estrangeiras nos assuntos africanos”.

No dia 29 de agosto, a embaixada de Portugal comunica, “ de fonte segura”, que Arlindo Lopes é afastado do cargo de diretor do jornal Notícias. Na mesma mensagem, a embaixada refere que o afastamento teria sido causado por uma “gaffe” que consta de uma reportagem sobre o discurso de Samora Machel durante a visita do chefe de Estado do Lesotho.

“É evidente que a decisão tem raízes mais profundas e pode ter significado político interessante. A suspensão do director do Notícias segue-se à demissão do director nacional de Informação e parece indicar mudanças no seio do aparelho de informação estatal”, diz a embaixada.

A mesma nota sublinha que “tinham sido feitas críticas” ao trabalho da comunicação social “por diversos dirigentes do regime, incluindo o próprio presidente da República”.


Setembro

Acordos com RDA e China 


O mês começa com novos acordos de cooperação com a República Democrática Alemã e um protocolo de “cooperação financeira” com a República Popular da China, depois de visitas de responsáveis de Pequim ao Banco Popular e à Companhia de Seguros Popular.

A cooperação com a China alarga-se ao setor financeiro, escreve a imprensa oficial citada pela embaixada que no mesmo dia, 05 de setembro, informa Lisboa que o vice-ministro da Defesa, Armando Guebuza se encontra há vários dias em Cuba a convite do vice-presidente do Conselho de Estado de Havana, Raúl Castro.

A 20 de setembro, um aerograma “confidencial” analisa informações dispersas sobra a possibilidade de remodelação governamental referindo que poderão “rolar cabeças”, nomeadamente o titular da pasta dos Transportes. Para preencher a “vaga” no ministério da Agricultura, depois do afastamento por motivos políticos do ministro Joaquim Carvalho, “fala-se” de Joaquim Chissano o que para a embaixada de Portugal pode “constituir uma perigosa cilada política”.

“A este respeito, conversando há dias com o embaixador dos Estados Unidos em que me disse a título de informação reservada, estar previsto, embora ainda pendente de confirmação, encontro em Nova Iorque, em outubro entre o ministro dos Negócios Estrangeiros, Joaquim Chissano e o secretário de Estado Cyrus Vance”, informa a embaixada.

No dia 22 de setembro, no contexto da guerra, a embaixada refere-se às táticas de propaganda contra a Rodésia no dia em que o Tigre da Malásia serviu para tentar “neutralizar” as mensagens radiofónicas do regime de Salisbúria.

“O Notícias dedica hoje grande espaço à transmissão do folhetim ‘Aventuras de Sandokan’. Refiro este assunto apenas porque este programa, segundo me informaram, se destina a tentar atrair ouvintes que habitualmente escutam a Rádio África Livre em número que preocupa as autoridades”, refere o embaixador em mensagem “confidencial”.

No mesmo dia sabe-se que o presidente angolano, Agostinho Neto, reuniu-se em Cabo Delgado com Samora Machel. De acordo com a embaixada de Portugal, o presidente de Moçambique deslocou-se depois ao Chimoio para “estudar a situação após recentes ataques rodesianos”.

“Tais ataques revistaram-se de características novas devido ao confronto direto entre os atacantes e as forças moçambicanas o que até agora nunca acontecera, pelo menos que se soubesse”, comunica a embaixada.

O mesmo telegrama recorda as recentes declarações de Machel que se referiu ao “elevado grau de sofisticação das forças moçambicanas”, o que contrasta, de acordo com as informações da embaixada, com a situação no terreno.


Outubro

Embaixada preocupada com pressões à Igreja


Numa das primeiras mensagens com preocupações diretas sobre a igreja católica em Moçambique, a embaixada refere em mensagem para Lisboa a possibilidade de novas expulsões de sacerdotes.

“Na delegação apostólica, onde fui apresentar condolência pela morte do Papa (João Paulo I), disseram-me que as autoridades moçambicanas estavam a ‘convencer’ o padre David, jesuíta de nacionalidade portuguesa e irmão do bispo de Lichinga a abandonar o país”, refere a embaixada em telegrama enviado no dia 02 de outubro de 1978.

O documento refere também que na delegação apostólica em Maputo havia o receio da tentativa de controlar a “posição dos padres” para “serem forçados a sair voluntariamente” do país.

No final do mesmo mês, informações recolhidas junto do bispo de Lichinga, dão conta de que quase todos os padres de origem europeia na província do Niassa “encontram-se praticamente em regime de prisão domiciliária”.

A mesma fonte acrescenta que muitos sacerdotes foram transportados para Maputo e que a situação no Niassa está a começar a alastrar-se a outras províncias do país na tentativa de se conseguir o afastamento de todos os padres estrangeiros, na “suposição de que os sacerdotes e bispos moçambicanos não vão conseguir resistir à ofensiva contra eles criada e que vai ser desencadeada a seu tempo”.

No mesmo telegrama é sublinhado que a Frelimo se opõe contra todas as organizações que mostram oposição ou resistência e, por isso, promove ações de propaganda contra as religiões.

“A igreja católica – que apesar de tudo, aqui tinha raízes relativamente pouco fundas – será possivelmente a confissão religiosa mais rapidamente subjugada”, lê-se no telegrama que sublinha as tentativas de eliminação das religiões tradicionais (animistas) e a “religião maometana”.

A 03 de outubro, e no seguimento de uma visita do major Otelo Saraiva de Carvalho a Maputo, a embaixada escreve que poucas pessoas assistiriam a uma conferência “que não teve qualquer repercussão na imprensa” e que teria causado “pouco impacto na assistência que teriam ficado desiludidos pela insistência do major sobre os aspectos profissionais que esteve na origem do Movimento dos Capitães”, em Portugal.

Um dia depois a embaixada dá conta de novas fardas e novas estrelas nos uniformes dos militares da cúpula do regime. “Durante as celebrações das Forças Armadas de Moçambique, o presidente Machel e altos comandos militares vestiam novos uniformes que impressionaram pela elegância e abundância dos dourados, cordões e agulhetas, pois contrastavam com os habituais camuflados”, descreve a embaixada de Portugal.

Citando “pessoas presentes nas cerimónias”, o aerograma indica que o “presidente ostentava quatro estrelas, o vice-ministro da Defesa, Mabote duas estrelas e o vice-ministro Guebuza uma estrela”.

“Parece assim que Moçambique abandona a tradição chinesa de não distinguir os diversos postos militares através do fardamento. Consta, aliás, que tal tradição vinha há muito a ser ressentida pelos oficiais das Forças Armadas moçambicanas”, acrescenta.

Em outubro, a embaixada nota que Chissano não esteve presente na Assembleia Geral das Nações Unidas, como ministro dos Negócios Estrangeiros, tendo o país sido representado pelo ministro das Finanças, Rui Baltazar.

Chissano terá justificado que já tinha estado presente na mesma sessão no ano anterior e que não voltava para repetir as “mesmas palavras”.

A 09 de outubro, é anunciada a entrada em circulação de notas de 100 e de 50 escudos, com a sobrecarga do Banco de Moçambique.

A 10 de outubro, um telegrama “muito urgente – confidencial” refere que a direção do Banco Standard Totta desloca-se a Maputo a fim de contactar o Banco de Moçambique com vista a estudar a possibilidade de abertura de linhas de crédito destinadas a financiar importações provenientes de Portugal.

Em telegrama “confidencial” transmitido no dia 11 de outubro, a embaixada nota que o Serviço Nacional de Segurança Popular (SNASP), dirigido por Jacinto Veloso, passou a ser mencionado “abertamente” nos jornais, o que nunca tinha acontecido até ao momento.

“O crescimento dos ‘grupos de vigilância’ (coordenados pelo SNASP) tem coincidido como o apagamento dos ‘grupos dinamizadores’ e os ‘conselhos de produção’, o que leva a acreditar que as autoridades estão a abandonar veleidades (…) e a recorrer a um puro ‘controlo’ policial”, alerta a embaixada sobre o serviço de segurança.

A 12 de outubro, a embaixada refere que foi informada de um levantamento popular em Ulongue (antiga Vila Coutinho) tendo sido destruída e incendiada a sede da Frelimo. “O caso foi provocado por um acidente de viação que causou numerosas vítimas e pela falta de providência no transporte de feridos para Tete. O caso não tem raiz política”, sublinha a embaixada.

Em finais do mês, a embaixada informa Lisboa sobre os encontros entre responsáveis pela empresa portuguesa Sorefame e o governo moçambicano.

Os contactos estavam a ser conduzidos no sentido da colaboração da Sorefame na “elaboração do projeto e em ‘fase de implantação’ de uma fábrica de material circulante com capacidade de produção inicial de cem carruagens por ano”.

“As compras em perspectiva por parte da República Popular de Moçambique de material rolante e equipamento para barragens fabricados pela Sorefame seriam financiados, de acordo com esquema previsto, pela Caixa Geral de Depósitos, que iria levantar para tanto fundos necessários no mercado financeiro internacional”, detalha a embaixada.

Foi também referido à embaixada pela Sorefame que teria ficado “assente” o envio durante os dois anos seguintes de 40 estagiários moçambicanos para as instalações da empresa portuguesa.

Paralelamente, a embaixada nota que se “vem notando” o reavivar do “problema da renúncia da nacionalidade moçambicana traduzida por prisões e intimidações aos indivíduos nascidos em Moçambique”.

A embaixada indica, “em especial”, a prisão de jovens que ao chegarem à idade de fazerem a opção preferem a nacionalidade portuguesa.

“Relacionados com este assunto parecem estar igualmente casos de falta de emissão de carta de curso ou certificado de habilitações a pessoas que concluíram recentemente os seus cursos na Universidade de Maputo, com possível intenção de impedir a saída para o estrangeiro”, explica o telegrama.

A 26 de outubro, um aerograma diz que está a desencadear-se uma “vaga de prisões” que incide sobretudo sobre as comunidades goesa, indiana e paquistanesa.

“Os presos já atingiram mais de centena e meia e são maioritariamente comerciantes”, detalha o telegrama.


Novembro

Castanha de caju e Cabora Bassa


O resumo de imprensa da embaixada destaca, em meados de novembro, que o Notícias publica com destaque a campanha da colheita de castanha de caju que se encontrava a decorrer, lembrando que a produção em 1971 atingiu as 206 mil toneladas.

“Desceu no período entre 1974 e 1977 para as 76 mil toneladas”, reproduz a embaixada notando que o jornal dá a entender que a colheita no ano corrente (1978) pode ser ainda mais baixa.

Por outro lado, no contexto das negociações entre Portugal e África do Sul sobre a revisão do contrato de fornecimento de energia de Cabora Bassa, Maputo pede para estar presente com dois observadores. O telegrama “urgentíssimo” acrescenta que, para Moçambique, a marcação das datas e do local das negociações são da competência de Lisboa e de Pretória.

No dia 14 de novembro, Moçambique firma um acordo de cooperação militar com a Hungria, encontrando-se em Maputo, para o efeito, o vice-ministro da Defesa húngaro, general Lajos Czinege.

Na mesma altura, termina a visita do ministro dos Negócios Estrangeiros de Cuba, Isidoro Malmierca, “com vista a fortalecer os laços de amizade” e preparar a próxima reunião dos países não-alinhados, em Havana, em 1979.

Na mesma altura, num telegrama “urgente-confidencial”, a embaixada mostra receio pelas possíveis medidas do governo moçambicano que no que diz respeito ao pagamento, em divisas, de todos os transportes de passageiros e de mercadoria relacionados com o repatriamento de cidadãos portugueses e regresso de funcionários, “nos termos do acordo assinado com a Frelimo”.

Dois dias depois é noticiado o encerramento da empresa Navetur, por despacho do ministro dos Transportes, Indústria e Energia, tendo os credores até ao dia 30 de novembro para reclamar os seus direitos “sob pena de não serem tomadas em consideração pela comissão liquidatária” da empresa que garantia o transporte dos bens dos portugueses retornados a Portugal.

Por outro lado, a 17 de novembro o governo justifica a medida sobre a Companhia Moçambicana de Navegação fazendo publicar no Notícias que a “intervenção” na companhia de navegação fora baseada na “gestão antinacional”, acrescentando as dívidas de “52 mil contos” e ainda o “facto de a frota estar a navegar sem estar coberta por qualquer seguro”.

O Notícias, de acordo com a transcrição da embaixada, acrescenta que a CUF, a que a CNN pertence, está a ser gerida por “manobras capitalistas portuguesas contra a economia moçambicana”.

No mesmo dia, a embaixada demonstra preocupações pelo facto de os jornais de Lisboa terem publicado notícias com as iniciativas do Sindicato dos Jornalistas referindo que Moçambique ainda não aceitou o convite o para colóquio de jornalistas de “países de língua portuguesa”, a realizar em Portugal.

“A não aceitação teria correspondido (o que me foi confirmado por fonte próxima da Organização Moçambicana de Jornalistas) a receio por parte de Moçambique de que o referido colóquio pudesse ser interpretado como mais uma manifestação hipotética da ‘comunidade lusófona’, o que provoca sempre desconfiança aqui”, explica o telegrama da embaixada.

Na segunda metade do mês é noticiado, em Maputo, o acordo entre a agência de notícias moçambicana (AMI) e a ANOP, Agência de Notícias de Portugal. Em contacto com o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Moçambique é comunicado ao embaixador que se trata da primeira agência noticiosa ocidental “autorizada a trabalhar” no país.


Dezembro

Delegação do PCP recebido em Maputo  


No final do ano é recebida em Maputo uma delegação do PCP composta por Carlos Costa e Carlos Carvalhas. “As conversações (PCP/Frelimo) têm por objectivo a troca de informações, reforço da amizade e estreitamento das relações de cooperação que sempre existiram entre os dois partidos”, explica a embaixada depois de consultadas fontes próximas do encontro. Poucos dias depois o Notícias publica a fotografia do abraço entre Carlos Costa, do PCP, e o presidente moçambicano, Samora Machel.

No dia 08 de dezembro, é tornada pública a viagem oficial do ministro Salomão Munguame ao Iraque no “quadro de contactos já havidos com vista ao desenvolvimento de relações de cooperação e amizade entre os dois países”. A embaixada informa o Palácio das Necessidades que o ministro pode, eventualmente, pedir um visto de trânsito para efetuar uma paragem em Portugal no regresso a Maputo.

A 18 de dezembro, uma mensagem “confidencial” relata o encontro entre as autoridades de Moçambique e os bispos católicos e que contou com a presença de todos os governadores provinciais.

A presidir a reunião, Sérgio Vieira, antigo chefe de gabinete de Samora Machel, acusa os católicos de terem desempenhado o papel de “arma do colonialismo” e apontou o caracter contra revolucionário da igreja face aos princípios políticos que norteavam a República Popular de Moçambique comunicando novas medidas:

“Todos os edifícios religiosos, incluindo respetivo recheio passariam a ser propriedade do Estado moçambicano; todos os atos de culto e catequese seriam doravante confinados ao interior dos templos; seria proibida a circulação de todo e qualquer documento eclesiástico sem aprovação prévia das autoridades moçambicanas; seria proibida a constituição ou manutenção pela igreja de qualquer espécie de associação ou organização; seria proibida a realização de manifestações públicas, bem como reuniões fora dos templos, não devendo os sacerdotes ir ao encontro dos fiéis mas apenas recebe-los quando procurados por eles; seria proibida a realização de ataques e críticas à doutrina marxista-leninista”, informa a embaixada.

Segundo o telegrama 1036/1978 a reação dos bispos teria sido de estupefação mas, apesar de tudo, a sensação que ficou entre os presentes foi que as medidas anunciadas por Sérgio Vieira nunca seriam publicadas “por óbvias razões de imagem política”, principalmente externa.

Em todo o caso, mesmo sem publicar as normas, os responsáveis religiosos, refere a embaixada, jamais poderiam invocar “ignorância” porque os governadores provinciais, presentes na reunião, poderiam exercer pressão.

“Informações que nos têm chegado indicam estarem muitos padres presos ou colocados sob residência fixa por motivos fúteis, prevalecendo a ideia de que o governo quer subjugar completamente a igreja católica”, vinca o telegrama da embaixada.

Dois dias antes do fim do mês explode uma bomba num café da Beira fazendo pelo menos um morto e a 29 de dezembro é avistado ao largo de Maputo o cruzador soviético da classe Kresta I.


Guerra e diplomacia

Soviéticos, cubanos e mercenários


Em 1978 intensificam-se os combates entre Moçambique e a Rodésia ao mesmo tempo em que são notadas as presenças de soviéticos e cubanos em território moçambicano e a presença de milhares de mercenários do lado de Salisbúria, incluindo portugueses, que começa a apoiar a “resistência moçambicana”.

Ao mesmo tempo, decorrem os esforços diplomáticos de Londres e Washington que consideram determinante o papel de Moçambique e dos países não-alinhados.

A 09 de janeiro, Samora Machel reúne-se em Maputo com comissário britânico para a Rodésia, Lord Carver, estando presentes o embaixador dos Estados Unidos na Zâmbia, Stephen Low e um representante do secretário-geral das Nações Unidas.

“As conversações destinam-se a reexaminar as propostas anglo-americanas com vista à solução rodesiana”, indica a embaixada de Portugal em Maputo recordando que os países da Linha da Frente apoiam a negociação com a potência colonial as modalidades que conduzam a transferência de poderes para o povo do Zimbabwe.

No final do encontro regista-se o “tom sóbrio” do negociador britânico que afirmou que Moçambique “aceitou e considerou como positiva a presença das Nações Unidas na Rodésia durante o período de transição”.

A 17 de janeiro, é anunciada mais uma reunião em Maputo da Frente Patriótica do Zimbabwe (ZANU/ZAPU) que analisa a proposta britânica sobre o início de conversações sobre a “Rodésia do Sul”.

No início de fevereiro, a embaixada de Portugal refere que existem “indicações de que Ian Smith estaria disposto a chegar ao ponto de se afastar da cena política rodesiana, deixando ao bispo Musorewa” o destaque perante a “cena política internacional”.

Paralelamente, e pela primeira vez, o mesmo telegrama refere que “se comenta” que a “linha da frente já não existe” e que há “incapacidade da Frente Patriótica para se entender”.

A 14 de fevereiro, a embaixada comunica em telegrama “confidencial” que persistem “rumores” sobre as dificuldades das autoridades moçambicanas em “fazer-se obedecer” nas zonas mais distantes da capital.

Ao mesmo tempo a imprensa oficial de Maputo admite que as “incursões rodesianas” prejudicam o funcionamento das escolas em Tete.

O vice-ministro da Defesa encontra-se há mais de um mês “estacionado permanentemente na Beira” por causa dos ataques ao Chimoio, mas sobretudo “devido à insegurança externa que existe em toda a zona que vai da Gorongosa até à fronteira, e para norte, até Tete”.

O telegrama “confidencial” 215/1978 transmite informações que “chegam de diversas fontes” e que indicam que as autoridades consideram “preocupante” a desmoralização das tropas que se encontram nas fronteiras de Manica, Sofala e Tete.

“Os soldados estão insatisfeitos com as condições que lhes são impostas – isolamento das famílias, falta de abrigos e alimentação -, sendo permeáveis às influências de elementos vindos da Rodésia ou pelos descontentes internos”, comunica a embaixada.

Ao mesmo tempo as situações de carestia generalizam-se, faltam géneros de primeira necessidade, obrigando mesmo os diplomatas a abastecer-se em “visitas frequentes à África do Sul ou Suazilândia” para os conseguir.

No início de abril anuncia-se em Maputo a partida de Robert Mugabe para a Nigéria, para conversações com o presidente Obsanjo acerca da situação do Zimbabwe, tendo o presidente da ZANU referido um possível encontro com o chefe de Estado norte-americano, Jimmy Carter.

Ao mesmo tempo, Angola demonstra através do ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Jorge, que é favor da continuação da luta armada, não tendo feito na deslocação à capital de Moçambique qualquer referência ao plano anglo-americano.

A 14 de abril, “num gesto de clemência” do presidente da República Popular de Moçambique são libertados os pilotos do avião belga que tinha sido abatido no final do anterior (1977) quando o aparelho em que seguiam fazia a ligação entre a Rodésia e o Zaire, transportando mercadorias. 
Os jornais publicam as fotografias dos prisioneiros no momento da libertação, bem como do representante diplomático de Bruxelas.

Na mesma altura reúne-se em Maputo o “Comité dos Dez” da Organização da Unidade Africana (OUA), criada em 1977 durante a cimeira dos chefes de Estado com o objetivo de organizar a ajuda aos países da linha da frente vítimas de agressões “do regime ilegal da colónia britânica da Rodésia do Sul”.

Neste contexto, na edição do dia 20 de abril o jornal Notícias publica um texto da agência de notícias espanhola EFE que revela que “antigos oficiais do Exército colonial português” estariam a tentar recrutar mercenários em Inglaterra, França, Alemanha e Itália “para fomentarem uma guerra civil em Portugal”.

Ainda em abril, é libertado um piloto sul-africano que tinha aterrado de emergência em Moçambique, tendo o aparelho que pilotava sido metralhado no solo o que provocou a morte de um outro tripulante.

O sul-africano e um norte-americano que tinha ajudado um casal moçambicano a cruzar a fronteira foram trocados por um espião da Alemanha de Leste que estava preso nos Estados Unidos. A embaixada de Portugal nota que a imprensa local não se refere à troca dos prisioneiros.

No terreno, a embaixada dá conta de um ataque rodesiano à estação agrária de Sussundenga, em Manica, em que teria sido morto um cooperante de nacionalidade belga e 17 refugiados do Zimbabwe.

Por outro, guerrilheiros da ZANU atacaram a partir de Moçambique uma missão religiosa na Rodésia “em que foram mortas diversas pessoas”.

Na sequência do ataque, Mugabe declara ao jornal Notícias da Beira acusando “forças negras rodesianas disfarçadas de guerrilheiros” de terem morto missionários. Em Maputo, a informação não é noticiada.

Tendo como fonte publicadas na Beira, a embaixada relata declarações do diretor do centro da ONU contra o Apartheid, Enuda Reddy, segundo o qual “quatro militares de alta patente, incluindo um general português, colaboraram nos treinos anti guerrilha que têm vindo a ser ministrados aos elementos do Exército racista sul-africano”.

A 20 de junho, e tendo como fonte o encarregado de Negócios da Holanda, é confirmada à embaixada de Portugal que um casal belga foi morto por “africanos que falavam português” na zona do Chimoio e que se anunciaram como “membros da resistência moçambicana”.

“Parece tratar-se da primeira vez que são assassinados estrangeiros neste tipo de operações”, sublinha o aerograma da embaixada a 28 de junho.

Entretanto, através das ondas da Rádio África Livre, a partir de Salisbúria, é noticiada a fuga de 15 elementos da ZANU que se encontravam em Maputo e que fugiram para a Suazilândia, “ de onde se preparam para seguir para a Rodésia”. Entre eles encontrava-se um ex-comandante da ZANU, o ex-secretário das Relações Públicas do mesmo movimento e um sobrinho do reverendo Sithole, da Rodésia.

A 28 de julho, o cônsul geral de Portugal na Beira informa que a linha de caminho-de-ferro teria sido minada perto de Nuda. “O cônsul referiu também que se têm verificado a fuga da população para o Malawi, tanto do Niassa como da Zambézia”, indica o telegrama transmitido para Lisboa.

A 10 de agosto, o dirigente da ZAPU e membro da Frente Patriótica afirma em Maputo que o regime de Ian Smith da Rodésia tem a soldo um grande grupo de mercenários, “indicando que depois dos sul-africanos, o segundo maior contingente de estrangeiros é constituído por 2.800 portugueses”. Outras nacionalidades citadas são: norte-americanos, chilenos, alemães ocidentais, neozelandeses, canadianos, britânicos e israelitas.

“Os mercenários são provenientes de países imperialistas com total conhecimento dos seus governos”, acusou Joshua N’Komo criticando igualmente os “elementos conservadores dos Estados Unidos e do Reino Unido que defendem o fim das sanções contra a Rodésia.

No início de setembro realiza-se em Lusaca, na Zâmbia, uma cimeira de chefes de Estado sobre a Rodésia. “Há perturbações na nossa zona provocadas pelo imperialismo”, declara Samora Machel no regresso a Maputo.

A propósito, o telegrama da embaixada sublinha, sobre as posições do Reino Unido e dos Estados Unidos, “o presidente Machel “teceu curiosas considerações” ao afirmar que “a luta armada é um ato eminentemente cultural” e que o “imperialismo está à procura de um herdeiro da cultura ocidental”.


Guerra 

Crise na Frente Patriótica do Zimbabwe 


Enquanto decorrem os combates, sobretudo nas zonas de fronteira, registam-se as primeiras divisões na Frente Patriótica do Zimbabwe entre Mugabe e Nkomo, líder da ZAPU, que aceita encontrar-se secretamente com Ian Smith da Rodésia, enquanto a Zãmbia anuncia a reabertura das fronteiras rodesianas o que provoca desconfianças no contexto dos países não alinhados.

No mês de agosto é revelado em Maputo que Joshua Nkomo manteve um encontro secreto com Ian Smith, na Zâmbia, acrescentando o líder da ZAPU manteve uma outra reunião secreta em Londres com negociadores britânicos.

Mugabe, líder da ZANU reprova em declarações à Rádio Moçambique os encontros secretos do líder da ZAPU, sobre os “quais não tinha qualquer conhecimento prévio”.

A 07 de setembro, um telegrama “confidencial” da embaixada de Portugal relata que o encarregado de negócios dos Países Baixos, depois de um encontro com Robert Mugabe, ficou com certezas sobre as “desconfianças” do líder da ZANU sobre o Nkomo por causa dos encontros secretos com Ian Smith à margem da recente cimeira de Lusaca.

“A situação no seio da Frente Patriótica é, deste modo, bastante difícil, e teria Mugabe confessado que iria procurar ‘to mend the fences’ acrescentando a delicadeza da situação e revelando que existem efetivamente divergências”, comunica a embaixada para Lisboa.

“Segundo a mesma fonte, Moçambique e Tanzânia teriam tomado partido por Mugabe e uma atitude favorável à rejeição de contactos”, acrescenta o mesmo aerograma.

A 09 de outubro, a embaixada regista combates no Chimoio com baixas de ambos lados, sendo que cinco aviões de combate rodesianos teriam sido abatidos pelas forças moçambicanas.

Verifica-se também uma dispersão das bases da ZANU na região porque os “atacantes penetraram” até Chibavava. “As populações de toda área encontram-se muito descontentes com a situação e olhando a FRELIMO com maior desconfiança. As autoridades, pelo seu lado retiraram todos os cooperantes estrangeiros da zona que vai do Chimoio até à fronteira”, informa a embaixada.
A 16 de outubro, a imprensa destaca a decisão da Zâmbia devido à reabertura das fronteiras com a Rodésia.

“O ministro dos Transportes, ao que me informam, tem estado permanentemente na Presidência da República onde se têm sucedido reuniões para estudar a situação e as repercussões em Moçambique”, transmite a embaixada no dia 16 de outubro.

Ao estabelecer-se uma nova rota através da África do Sul e Rodésia, Moçambique acaba por perder rendimentos que conseguia com o trânsito de importações e exportações da Zâmbia.

“Segundo acabam de me dizer, um navio fretado pela Zâmbia que se encontrava em Maputo com fertilizantes foi impedido de sair do porto. As autoridades moçambicanas estão também indignadas pelo facto de os primeiros comboios que transitaram através da Rodésia não transportarem fertilizantes mas sim produtos alimentícios”, detalha a embaixada de Portugal.

Além do movimento nas fronteiras, Lusaca passa a permitir o tráfego rodesiano no espaço aéreo zambiano.

Moçambique endurece posições no contexto dos países da linha da frente, por influência de Moscovo e Cuba, registando-se, ao mesmo tempo, concentração de forças militares moçambicanas na área do Chimoio.

Em novembro regista-se mais um ataque da Rodésia contra o Botswana, do grupo dos países da linha da frente. A embaixada de Portugal em Maputo assinala que se trata do quinto ataque de Salisbúria em seis semanas.

No dia 29 de novembro o escritório da ZANU em Maputo é alvo de um atentado bombista que faz um morto e três feridos, tendo provocado graves prejuízos no edifício.

Um jornal da Beira refere que a encomenda armadilhada, que provoca a explosão, tinha sido expedida da República Federal da Alemanha. Na sequência do ataque, a polícia, em Maputo, intensifica “rusgas, controles e numerosas prisões” relata a embaixada a 07 de dezembro. 

Um dia depois, “pessoa digna de confiança” conta à embaixada de Portugal que se registaram intensos bombardeamentos da aviação rodesiana na zona de Chimoio acrescentando que teriam sido “precisos e devastadores” tendo surpreendido as forças moçambicanas.

O ataque contra a base da ZANU na região de Chimoio é confirmado na mesma semana, assim como ataques à zona de Tete que provocaram 26 mortos e 73 feridos, na maioria civis.

“Foi-nos dito que reina em Manica crescente mal-estar não só devido à frequência dos ataques rodesianos mas também pela ocorrência alarmante de assassinatos e assaltos indiscriminados que se atribuem a desertores das FPLM que andam a monte na região”, descreve a embaixada.

“Por outro lado, muitos desertores iriam engrossar ali a tão falada ‘resistência’ que atuaria cada vez mais ostensivamente e com impunidade, em especial junto da fronteira chegando até a exercer controlo sobre viaturas na estrada entre Chimoio e Tete”, acrescenta um longo telegrama datado de 13 de dezembro.

A mesma informação refere, segundo as mesmas fontes, que se têm verificado assassinatos de elementos pertencentes às estruturas da Frelimo e do Estado, “cujos corpos degolados teriam aparecido nos mais estranhos lugares e circunstâncias”.

A 14 de dezembro, a ZANU reivindica, em comunicado, um atentado contra depósitos de combustíveis nos arredores de Salisbúria tendo “provocado a destruição de 37 milhões de litros de petróleo”.

A organização de Mugabe afirma ainda que a ZANU controla cerca de 80 por cento do “território e população Zimbabwe”.

A 21 de dezembro, um comboio que transportava carvão entre Moatize e a Beira é alvo de um atentado sobre a ponte do Cinjal

No contexto da proposta anglo-americana deslocam-se à capital de Moçambique em dezembro o enviado especial do primeiro-ministro britânico, Cledwyn Hughes e o embaixador dos Estados Unidos na Zâmbia.

No final do ano, um telegrama confidencial indica que durante uma reunião militar, Samora Machel confirmou o ataque da aviação rodesiana contra o centro de camionagem da Beira, “que ficou completamente destruído”.

“Parece estar a assistir-se à escalada de agressões, agora declaradamente contra objetivos económicos moçambicanos”, indica a embaixada a 30 de dezembro.

11/07/2015

http://www.independenciaslusa.info/1978-telegramas/